Artigo de João Maia
Não pode ser particular surpresa o gáudio com que a classe burguesa acolheu os resultados eleitorais do dia 18 de maio. A vitória massiva da Direita, quer com a vitória folgada da AD, quer com o reforço assinalável do CHEGA, provoca esperanças largas para os exploradores e especuladores de serviço, já salivando pelas tão propaladas “reformas estruturais”, eufemismo da classe dominante portuguesa para “retirada de direitos sociais da Constituição”, “privatização do setor público e de todas as formas que ainda restam (tão poucas) de vida coletiva”, “liberalização da lei laboral” e para tudo aquilo que significar um maior esmagamento da classe trabalhadora deste país, em nome do lucro e da acumulação de riqueza da burguesia parasitária.
José Luís Arnaut é um exemplo paradigmático dessa burguesia que terá aberto uma das suas garrafas de champagne reservadas para ocasiões especiais ao constatar o fracasso eleitoral da esquerda reformista. Managing partner da CMS Portugal e ex-governante pelo PSD, eleito 25ª personalidade mais poderosa do país em 2024 pelo Jornal de Negócios, apresenta um currículo representativo da hipocrisia e mediocridade da classe que representa quixotescamente – lembre-se a sua transição dos executivos de Durão Barroso e de Santana Lopes para o setor privado, onde serviu como facilitador, com interesses próprios, dos ruinosos processos de privatização da EDP, REN, ANA, TAP e CTT, atentatórios à soberania económica do país e da qualidade de vida dos trabalhadores portugueses, lembrem-se também as suas mal envelhecidas palavras quanto à atuação de Ricardo Salgado no Banco Espírito Santo, “banco profundamente estável”, “credível” e “sólido”. Com este percurso, as celebrações públicas de Arnaut quanto à derrota da esquerda parlamentar soam mais a elogio para os visados do que qualquer outra coisa.
Os resultados do Bloco de Esquerda seriam, para Arnaut, um incentivo aos investidores capitalistas estrangeiros, provando a fraca expressão eleitoral de propostas como a taxação das grandes fortunas e o teto às rendas. “Os riscos, digamos, dos partidos anti-economia e anti-liberdade”, disse arrogantemente numa recente entrevista no podcast A Lei e a Prática, “estão completamente abatidos com a morte, em boa hora, do Bloco de Esquerda e, digamos, com a situação que o PCP está hoje a viver”. Ao seu ver, a estrada está aberta para a burguesia impor o seu programa predatório de privatizações e ataques aos direitos dos trabalhadores: “Portanto, eu acho que há sinais positivos para aqueles que querem ter espaço de crescimento em Portugal, no sentido do investimento nacional e internacional nos sectores fundamentais, como o das infraestruturas, da saúde e da exportação.”
Arnaut explica que as políticas do PCP e do Bloco de Esquerda inquietavam os capitalistas. Os investidores, disse, “olham para as notícias e vêm teto das rendas, taxas os ricos, impostos sobre a fortuna, e é evidente que as pessoas vão-se embora.” Cínicas palavras de um verdadeiro representante da burguesia! Lembramos a Arnaut que quem está a “ir-se embora” são milhares de famílias trabalhadoras expulsas dos centros das cidades pela especulação imobiliária, é a juventude obrigada a emigrar pelos baixos salários e condições de exploração extrema, tudo para encher os bolsos de Arnaut e os seus amigos.
Há aqui uma lição para o Bloco de Esquerda e o PCP. Os capitalistas usam a sua propriedade sobre a economia para exercer uma chantagem sobre os votantes: se não aceitarem o nosso programa, vamos embora, levando os nossos capitais. Os dirigentes do Bloco e do PCP não deveriam responder a estas ameaças recuando, como costumam fazer, ou apresentando as suas propostas como favoráveis aos capitalistas (porque os aumentos salariais “estimulariam o consumo”), mas indo além do reformismo e explicando que, se os senhorios não querem arrendar as suas casas a preços exequíveis, se os empresários não querem pagar salários dignos, se os ricos não aceitam ser taxados, devem ser expropriados.
O fraco acolhimento das propostas da esquerda e o descaramento de capitalistas como este managing partner prova também que o caminho não passa por medidas avulsas, ainda que naturalmente positivas para quem trabalha, que rapidamente seriam abafadas pela condição semiperiférica de Portugal no contexto do sistema capitalista internacional, mas uma integral política revolucionária de transição para uma sociedade socialista, que reverta as danosas privatizações que tanto encheram os bolsos de gente como Arnaut e impeça que os destinos da classe trabalhadora portuguesa estejam subjugados ao que interessa ou não aos apetites dos parasitas.
Como já analisamos, os resultados da esquerda parlamentar não são fruto da natureza radical das suas propostas, a tal que Arnaut denuncia do alto do seu pedestal de 25ª personalidade mais poderosa do país, mas do facto de se ter moderado para cair no goto das instituições democráticas e da elite do Partido Socialista, afastando-se dos anseios da classe trabalhadora portuguesa e desistindo de se apresentar como uma alternativa antisistémica, populista, extremista e “politicamente incorreta”. À falta dessa opção pela esquerda, setores alargados da classe trabalhadora viraram-se para a opção (pretensamente) antisistémica, populista, extremista e “politicamente incorreta” da Direita, que inevitavelmente fracassará em dar resposta aos problemas de quem trabalha, muito pelo contrário. Apesar da sua demagogia, André Ventura é um político burguês que, quando se aproximar ao poder, acabará por aplicar o programa de ataques dos capitalistas, desmascarando-se aos olhos das pessoas que viram nele uma alternativa radical ao sistema. Como diz o próprio Arnaut, o facto do Chega ser segunda força na AR cria “uma nova realidade. E eu acho que o próprio Chega vai ter consciência dela e, portanto, o Chega vai entrar numa nova fase, e o Chega que nós conhecemos até agora entrará numa nova fase”, a de “um partido mais institucionalizado, com outra atitude” – uma atitude mais nitidamente pró-capitalista.
Portanto, mais cedo ou mais tarde os votantes do Chega irão se desiludindo. Empurrados pela pressão implacável da crise capitalista, procurarão uma alternativa. Cabe-nos voltar a construir a real alternativa, pela esquerda.