Um grupo de pessoas, com ligação ao Grupo 1143, atacou uma casa onde residiam trabalhadores imigrantes de nacionalidades argelina e venezuelana. Apesar de todos os elementos que participaram no ataque terem antecedentes criminais, apenas uma pessoa ficou em prisão preventiva, o que é bem revelador do caráter de classe da justiça portuguesa.
Infelizmente não se tratou de um evento isolado. Em fevereiro de 2023 um grupo de jovens agrediu um imigrante de nacionalidade nepalesa, em Olhão. Ainda em 2023, em Praias do Sado (Setúbal), uma casa onde residiam imigrantes de origem indiana foi atacada a tiros de caçadeira, resultando num morto. Este ano, logo em janeiro, o JN noticiava que uma loja de um imigrante nacional do Bangladesh e muçulmano teve a sua loja vandalizada com uma suástica e o número 1143, do mesmo grupo que organizou manifestações anti-imigração de origem islâmica para Portugal.
Grupo 1143
Esta onda de ataques não é mera coincidência e poder-se-iam mencionar muitos mais. O ataque sistemático a pessoas de origem imigrante tem aumentado exponencialmente desde que o Chega passou a fazer parte do sistema partidário, reforçando, através da sua retórica anti-imigração (leia-se anti-imigração pobre, uma vez que contra imigrantes ricos não parecem estar muito preocupados), o ataque a esta população vulnerável.
O grupo 1143 é um grupo neonazi fundado em 2003, no seio da Juventude Leonina, tendo como líder Mário Machado. No início da sua formação estavam elementos skinheads, com (ainda) ligação aos hammerskins, sendo este último dos um dos mais violentos grupos de extrema-direita em Portugal. O nome do grupo remete para o ano da assinatura do Tratado de Zamora, em 1143, assinalando a independência de Portugal face a Castela e Leão, e o seu ideário político é caraterizado por uma defesa aberta do salazarismo, superioridade racial, anti-imigração e porte frequente de símbolos nazis.
A ligação deste grupo com partidos políticos é amplamente conhecida, mais concretamente, com o PNR, através da Frente Nacional, e Chega, com a inscrição de militantes e presença nas redes sociais em apoio às medidas deste. Ainda assim, existe a ambição da criação de uma organização nacional, que se tem evidenciado pelo trabalho de recrutamento, ações de propaganda e manifestações, num esforço que tem sido feito por Mário Machado por refundar o grupo desde 2023.
Em desespero, a burguesia recorre à imigração para dividir a classe trabalhadora, ao mesmo tempo que colhe os benefícios da sua exploração, mas também usa a força dos grupos extremistas, como o 1143. Cada vez mais a burguesia se vê encurralada, o capitalismo está numa fase agonizante e sem solução para os problemas dos quais é a causa. Por isso, devemos enquadrar os ataques aos imigrantes, não apenas como um ataque a toda a classe trabalhadora, mas também num contexto mais geral de crise sistémica do capitalismo.
Qual deve ser a resposta da classe trabalhadora?
Os ataques contra os imigrantes têm um caráter de classe e servem os interesses da burguesia, vulnerabilizando ainda mais esta população, mas também procurando diferentes meios de criar uma divisão artificial da classe trabalhadora, entre nacionais e não nacionais.
É a ambição louca pelo lucro e mais-valia, assim como pelo desespero em preservar uma posição de poder promovidos pelos interesses da burguesia que conduz a estes eventos a que temos assistido, nomeadamente, ataques físicos, a detioração das condições de trabalho, salários baixos, precariedade e discriminação.
Para o problema ambiental são notórios os falhanços em lidar com esta ameaça. Desde 2008 que só assistimos a crises económicas, pandémicas, inflacionistas e a um contexto geopolítico instável fruto das diferentes ingerências por parte das potências ocidentais, falando-se já numa possível reintrodução do serviço militar obrigatório.
Toda uma geração ainda só viveu de crise em crise, e que se revela na criação de mais de cinco mil milhões de pessoas em situação e pobreza. Por outro lado, desde 2020 as cinco pessoas mais ricas do mundo conseguiram duplicar as suas fortunas. Enquanto as pessoas de debatem com os aumentos dos juros dos créditos à habitação, já se leem notícias de que os bancos duplicam os dividendos para 1,3 mil milhões de euros.
Ao passo que uns poucos se alimentam dos dividendos sacados às carteiras da classe trabalhadora, os processos de despedimento coletivo no primeiro trimestre de 2024 já resultaram na duplicação de trabalhadores abrangidos, algo que não se via desde 2015.
Aos ataques da burguesia à classe trabalhadora devem ser respondidos com mostras de solidariedade, independentemente das origens nacionais ou religiosas. Contra o abismo a que a burguesia nos quer conduzir, a resposta da classe trabalhadora é clara: Revolução!
Não menosprezamos, porém, as opções que atualmente possuímos no quadro do capitalismo, como a luta por melhores condições salariais e laborais ou reivindicações através de protestos, ocupações e manifestações.
Agora que a extrema-direita se sente confortável em sair para a rua, muitas vezes com a complacência e cobardia do poder político, é hora de a classe trabalhadora se unir, independentemente da sua origem nacional e tomar as ruas empurrando estes grupos para a insignificância. A organização e mobilização da classe trabalhadora cada vez mais se torna uma necessidade, não apenas para combater a ascensão da classe trabalhadora, mas também para contrariar e corrigir as desigualdades que o capitalismo produz.
Esta unidade a que aludimos também se manifesta na necessidade de os partidos de esquerda, mas também os sindicatos e trabalhadores, exigirem a igualdade de direitos democráticos, laborais e sindicais, assim como pela integração e mobilização dos imigrantes nas suas lutas por objetivos económicos e políticos, mais concretamente, melhores condições nos postos de trabalho, iguais salários face aos trabalhadores nacionais e direito ao voto em pé de igualdade com os nacionais.
Por detrás do racismo e das tentativas de relacionar o aumento de criminalidade com a imigração há uma clara preferência da burguesia pela mão-de-obra imigrante, essencial em setores como os da agricultura, construção civil, entregas ou prestação de serviços, como limpezas.
Não há relação entre aumento de criminalidade e imigração. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2022, houve um aumento (+14,1%) no número total de crimes em comparação com o ano anterior. Os crimes mais frequentes incluem condução com taxa de álcool acima de 1,2g/l (6.681 casos, um aumento de 43,4%) e abuso de cartão de garantia ou crédito (5.117 casos, um aumento de 464,3%). A violência doméstica representa uma parcela significativa, com 13.281 casos, um aumento de 14,4%, sendo a extorsão o crime com maior aumento relativo (49,9%). Em termos de tipos de crimes, 50,7% são contra o património e 25% contra pessoas, com destaque para roubos na via pública (907 casos, aumento de 21,1%). O roubo é o crime violento mais comum, representando 66% do total de ocorrências, especialmente nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. Quanto à população prisional, houve um aumento de 6,9%, totalizando 12.383 pessoas, com uma clara maioria de nacionalidade portuguesa (84,7%) e do sexo masculino (92,9%).
E o que o relatório fala acerca dos imigrantes? Houve um aumento nas detenções, mas que remete para pessoas em trânsito, ou seja, pessoas que usaram Portugal como escala para outros destinos. Os que têm como destino Portugal foram auxiliados por redes de tráfico de pessoas, no que é o resultado do recrutamento para trabalho em campanhas agrícolas sazonais (azeitona, castanha, frutos ou produtos hortícolas), residindo nessas explorações agrícolas e totalmente dependentes dos empregadores (maioritariamente portugueses).
Na verdade, aos estrangeiros são aplicadas medidas mais duras por comparação com os portugueses, mesmo se incluirmos as medidas preventivas. Também seria interessante analisar os fatores sociodemográficos associados à criminalidade, mas essa também será uma reflexão para desenvolver aqui.
Reconhecemos, por isso, que o problema do capitalismo é sistémico e, portanto, não serão um conjunto de reformas que resolverão no longo prazo os seus problemas intrínsecos. O âmago do capitalismo é a exploração e a desigualdade e as reformas, ainda que importantes, encontrarão sempre aquelas barreiras. É preciso lutar por mais do que conquistas económicas ou sociais.
Num momento onde cada vez mais pessoas se radicalizam, aproxima-se a hora de expropriar a burguesia, socializando os meios de produção e a planificando da economia, com uma exploração racional e responsável dos recursos naturais, solidariedade com todos os povos e a internacionalização da revolução.
Imagem de destaque: José Carmo / Global Imagens