O Chega foi o grande vencedor da noite eleitoral. Apesar dos resultados se revelarem inconclusivos e não se vislumbrar a hipótese dum governo estável, há algumas conclusões que podem ser retiradas.
Em primeiro lugar o destaque vai para a subida espantosa do Chega que, em meia dúzia de anos, passa de1 para 58 deputados (e não estão contabilizados ainda os círculos da emigração). Teve 22,6% dos votos. É evidente que o chamado “voto de protesto” transferiu-se dos reformistas de esquerda para os populistas de direita.
O Chega entrou, como os demais, no leilão eleitoral prometendo mais salários, melhor saúde, etc. Contudo, foi o único partido com uma mensagem política clara, denunciando os “50 anos de corrupção” o que foi ao de encontro à raiva social que existe no país. O seu discurso anti-imigração foi também o grande beneficiário da deriva securitária e xenófoba dos últimos meses do governo Montenegro, que só lhe deu força.
O Chega foi o partido mais votado nos distritos de Setúbal, Portalegre, Beja, Algarve. Sintomaticamente, num distrito tradicionalmente conservador como Leiria, ganhou os 3 bastiões históricos da esquerda: Marinha Grande, Nazaré e Peniche!
A sua base de apoio será muito heterogénea. Há, sem dúvida, um núcleo de elementos totalmente reacionários e saudosistas, também um sector da pequena-burguesia que, esmagada pelo aumento do custo de vida e pela incerteza, apoiará o Chega, mas não é possível ignorar que há toda uma camada da classe trabalhadora que, há 10 ou 15 anos votaria em partidos de esquerda ou que não votaria de todo e que está agora a votar no Chega.
Em segundo lugar, a burguesia continua sem conseguir formar o governo forte que necessita para atacar os trabalhadores no próximo período, tal como lhe é exigido pela crise global do capitalismo, mas também pelos seus parceiros europeus.
A AD obteve quase 32,7% dos votos. Aproveitando condições económicas relativamente favoráveis e um superavit orçamental de mais de 3 mil milhões deixado pelo anterior governo, o executivo de Montenegro foi, no último ano, distribuindo alguns “rebuçados” entre alguns sectores profissionais como polícias, e militares (aparato repressivo), mas também médicos, professores, enfermeiros ou bombeiros. Ainda que nem todas as reivindicações tenham sido atendidas, foram feitas cedências.
Essa folga, contudo, terminou. No final do ano passado o Banco Central alertava para a derrapagem orçamental e o previsível falhanço das metas estabelecidas pela União Europeia já em 2025. Ainda durante a campanha ficou-se a saber do recuo de 0,5% do PIB no primeiro trimestre deste ano.
Face à tormenta que o espera, o crescimento eleitoral é verdadeiramente pífio para aquilo que Montenegro nem se atreveu a sonhar: uma maioria absoluta. Sobretudo, porque a bengala liberal pouco lhe pode acrescentar de apoio: a Iniciativa Liberal apenas teve 5,53%. Manifestamente, o discurso ultraliberal não convence ninguém para lá duma franja da classe média, média-alta, que beneficiaria do choque fiscal, mantra único da IL.
À direita a única possibilidade de um governo com maioria parlamentar seria a coligação entre a AD e o Chega. Neste momento, parece pouco provável, mas, mesmo que tal governo fosse formado, não haveria qualquer garantia de que pudesse ser um executivo minimamente estável face ao carácter imprevisível e populista do Chega .
Em terceiro lugar, a queda do Partido Socialista é o melhor reflexo do apodrecimento do regime novembrista, do qual foi ativo fundador. Tendo governado mais de 20 nos últimos 30 anos, o declínio eleitoral do PS talvez acabe sendo o melhor símbolo da crise de legitimidade e confiança que o establishment e as suas instituições inspiram. Da maioria absoluta em Janeiro de 2022 para a terceira força política no parlamento, a queda tem sido vertiginosa.
Mesmo apoiado numa maioria absoluta, o último governo PS caiu desacreditado por uma austeridade indireta às mãos da inflação e subida das taxas de juro, pela degradação dos serviços públicos sacrificados ao serviço da dívida pública e no meio de sucessivos casos de incompetência e suspeição, dando crédito às vociferações de Ventura sobre a corrupção e a (falta de) vergonha!
Finalmente, em quarto lugar, regista-se o colapso dos reformistas de esquerda: os tímidos ganhos do Livre não compensam (nem de perto, nem de longe) o descalabro bloquista e a contínua erosão da CDU. Das 3 forças o Livre é que tem menos ligações aos movimentos populares e não se lhe conhece qualquer trabalho ou influência sindical.
Esta queda da CDU e Bloco de Esquerda no abismo é apenas resultado única e exclusivamente do estrepitoso falhanço das suas políticas de colaboração de classes, em particular no período da Geringonça. Aliás, toda a gente percebe que o único horizonte que têm seria a reconstituição duma nova Geringonça a qual, desta vez e ao contrário da experiência original, deveria ser capaz de cumprir com as expetativas criadas. Doce ilusão.
A miopia destes líderes é tão grande que não compreendem, sequer, que as condições que possibilitaram a primeira Geringonça não existem mais: nem o capitalismo dispõe da relativa estabilidade desses anos, nem têm atrás de si o caudal de lutas massivas, como sucedeu nos anos da Troika, que insuflou eleitoralmente esses partidos e condicionou a aceitação de algumas (bem poucas) das suas demandas em troca de canalizar esse movimento para a segurança das negociações institucionais.
Torna-se mesmo deprimente escutar Raimundo falar (novamente) em “resistência, num quadro particularmente exigente” ou Mortágua perorar sobre como “os tempos são difíceis, e nós não escolhemos os tempos em que calhámos viver”.
Os tempos são difíceis porque os líderes da esquerda decidiram torná-los difíceis com as suas políticas totalmente erradas. Em plena crise capitalista os tempos deveriam ser politicamente difíceis sim, mas para a classe dominante! Que a raiva que se vai acumulando na sociedade seja canalizada para um demagogo como Ventura, enquanto os reformistas de esquerda definham, é eloquente quanto baste do seu falhanço! Que semeiem o pessimismo entre a sua base militante é apenas uma tentativa canhestra para escamotear os seus erros.
Vem aí o fascismo?
Mas esta não deve ser uma hora para autocomiserações ou desesperos e muito menos para, como fazem alguns, de culpar o povo pelos resultados eleitorais.
A nós, comunistas revolucionários, estes resultados em nada nos desmoralizam. Eles nem sequer são surpreendentes, dado que se limitam a reproduzir as tendências que verificamos por toda a Europa: o descrédito do establishment liberal, a falência dos reformistas e a ascensão da direita populista cavalgando o ressentimento social.
Sabemos bem que o Chega é um projeto reacionário que, malgrado a retórica, visa defender e perpetuar os grandes interesses instalados, procurando lançar o penúltimo contra o último, deitando mão do preconceito, do discurso racista e securitário, para desviar o foco da justa raiva social dos verdadeiros culpados da crise, os capitalistas e todos os políticos burgueses, para as minorias já propensas à discriminação, fazendo delas bodes expiatórios. Mas eles também são os únicos que se apresentam (ainda que demagogicamente) como “antissistema”, por contraste com a esquerda que faz gala de se posicionar como a grande defensora dos “valores” e “princípios” deste regime que apodrece, da democracia parlamentar burguesa inaugurada pelo golpe do 25 de novembro.
Muitas vezes o Chega é caracterizado como um partido “fascista”. Embora seja uma força reacionária, não é correto caracterizá-la como fascista. Historicamente o fascismo representa a mobilização da pequena-burguesia ensandecida e do lumpemproletariado com vista ao esmagamento físico do movimento operário, da supressão das suas organizações, partidos e sindicatos.
Ora nem o Chega tem a força social para isso, nem, neste momento, a burguesia tem sequer utilidade para tal. Os estrategas mais lúcidos do Capital sabem bem qual a verdadeira relação de forças potencial na sociedade e não é do seu interesse arriscar, neste momento, a guerra civil com todos os seus riscos, que é o que a emergência do fascismo significaria.
Quando o Ventura se aproximar ao poder, irá deixar cair o seu disfarce demagógico para mostrar a sua verdadeira natureza: a de um político capitalista reacionário. A ampla base social do Chega irá, nessa altura, desfazer-se. E esse sentimento de raiva social que tem alimentado o Chega procurará novas formas de expressão. Isto terá consequências explosivas e potencialmente revolucionárias.
Há 10 anos o pêndulo girava para a esquerda e agora tem girado para a direita. Nova inflexão ocorrerá no futuro, pois as massas buscam uma solução e ela não existe. Construí-la é a nossa tarefa.
Vislumbre do futuro que nos aguarda foi a greve da CP que paralisou a circulação ferroviária e abalou a campanha eleitoral. Ela teve uma adesão de 100% dos trabalhadores convocados, até daqueles que terão votado Chega! É isto sintoma dum povo “estupidificado”, duma caminhada inevitável para o fascismo?
Claro que não! O que a greve da CP (ou, já agora, a greve da Compal) demonstram é a enorme força potencial da classe trabalhadora. Uma força que é necessário organizar, consciencializar e mobilizar. E quando os trabalhadores, em massa, se puserem em movimento – e o capitalismo está a empurrá-los para isso – todas as divisões raciais, de género, de orientação, etc. com que a burguesia os tenta dividir e das quais a direita populista se alimenta cairão por terra, porque os trabalhadores descobrirão ao seu lado, no piquete de greve enfrentando o patrão e a polícia, o colega operário racializado, mulher ou gay.
E, convém não perder de vista que ontem mais de um milhão migrantes, o sector mais explorado e oprimido da classe, nem sequer pôde votar! Será, não através da prédica moral, mas pela ação de classe, não pelas ilusões “geringonceiras”, mas a partir das ideias e da luta revolucionária que derrotaremos a burguesia e os seus fantoches populistas.
Ontem foi dia de eleições e de eleições que nada resolveram! Hoje é dia de continuar a luta e de organizar, desde já, o melhor da classe trabalhadora e da juventude para os combates que nos esperam! Junta-te ao Coletivo Comunista Revolucionário.