Contra o apartheid capitalista

Há um milhão e meio de migrantes em Portugal. São um esteio da economia portuguesa, arcando com indústrias cruciais. O proletariado migrante representa, portanto, um setor fundamental da classe operária em Portugal. Mas é um setor particularmente precário e vulnerável, que defronta piores salários e condições de trabalho, devido à sua falta de direitos políticos e à sua escassa organização sindical. A motivação do racismo espalhado pelos média e pelos partidos burgueses fica assim clara: os capitalistas querem aprofundar o isolamento social e político dos migrantes. Não querem, apesar das suas ameaças, reduzir o seu número, o que privaria o capitalismo português de uma fonte de mão de obra vital, mas querem intimidá-los, marginalizá-los e expô-los ainda mais à exploração desenfreada. Assim, os burgueses criam uma camada hiper-explorada de trabalhadores enquanto dividem o proletariado, colocando os operários “nativos” contra os estrangeiros. O capitalismo está numa crise profunda. A única forma que tem de se manter é dividindo os trabalhadores, e aqui o racismo desempenha um papel fundamental. 

Portugal, como outros países europeus, vive hoje num “apartheid”, onde os migrantes, que representam uma porção considerável da população, particularmente numerosa nos bairros operários das grandes cidades, não goza de direitos democráticos básicos, começando pelo direito ao voto. Vivem, de facto, num regime de opressão, e, às vezes, de prático terror, mergulhados num pesadelo burocrático para regularizar a sua situação, defrontando rusgas policiais selvagens como no Benformoso, defrontando os ataques das bandas fascistas, e o racismo quotidiano promovido pelo capitalismo.

A resposta da esquerda e do movimento operário deve ser contundente: pelos direitos políticos e sindicais dos migrantes. Contra as tentativas de nos dividir, pela unidade dos trabalhadores portugueses e migrantes contra o inimigo comum, os patrões e os seus representantes políticos. Campanha de sindicalização dos migrantes. Pela conquista do direito ao voto para todas as pessoas que moram e trabalham em Portugal. Pela imediata regularização da sua situação. Contra qualquer tentativa de privar os migrantes dos seus direitos sociais (ao SNS, prestações, etc.), o que seria a antecâmara da sua suspensão para todos nós. Contra o moderno apartheid europeu. 

Infelizmente, a resposta das grandes organizações políticas e sindicais (BE, PCP, CGTP) tem sido, no melhor dos casos, uma tímida denúncia moral do racismo. Não se trata aqui só de uma questão moral, mas, sobretudo, de uma batalha política: os trabalhadores migrantes são os nossos irmãos e irmãs de classe, sem eles a defesa dos nossos direitos torna-se impossível, por não falarmos da luta pela transformação revolucionária da sociedade. É verdade que os preconceitos racistas estão enraizados entre determinados setores da população. Não serão ultrapassados através de simples sermões moralistas, mas através da luta. Se um trabalhador português quiser se organizar na defesa dos seus direitos, terá de se aliar com os seus colegas indianos, brasileiros e angolanos, quer queira quer não. É isto que é preciso explicar.

Cinquenta anos após a revolução, a opressão mais crua tem regressado a Portugal, sem provocar grandes escândalos, enquanto escondida nas névoas do racismo e da xenofobia. Contra este apartheid, Portugal precisa de um novo Abril, que garanta direitos políticos a todas as pessoas que moram e trabalham em Portugal e nos dê o que a revolução de 1974-1975 não garantiu: não só direitos políticos abstratos, numa sociedade capitalista profundamente injusta, mas que instaure uma democracia real, baseada na igualdade e no verdadeiro poder de decisão da maioria. Para isso, é necessário derrubar o capitalismo. É necessária a revolução socialista.

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