Eleições Europeias: lideranças e linhas políticas 

I 

Não é um problema de lideranças: é um problema de políticas. Novas eleições, nova derrota do PCP e do Bloco de Esquerda. Desta vez a queda mais acentuada coube ao BE que, em relação a 2019, perdeu metade dos votos expressos, metade da percentagem eleitoral (dos 9,2% para os 4,26!) e metade dos eleitos. Quanto ao PCP perdeu 60 mil votos, um terço da anterior percentagem (caiu agora para os 4,12%) e ficou reduzido a 1 eurodeputado, como o Bloco.  

Tanto o Bloco como o PCP apostaram em candidatos fortes.  

O Bloco tinha como cabeça de lista ao parlamento europeu Catarina Martins, que tomou o lugar de Marisa Matias, por troca com a eleição desta última como deputada à assembleia da república. Que o Bloco, ao fim de mais de 25 anos de existência, aparente possuir apenas meia dúzia de quadros políticos que periodicamente “são baralhados para tornar a dar” é testemunho duma estrutura vazia, fechada e consubstanciada num pequeno aparato eleitoral. Todavia, não foi por falta de empatia ou eloquência que Catarina Martins falhou em manter a anterior votação e número de eleitos, não foram as suas qualidades pessoais que a penalizaram; antes foram as decisões políticas de anos (das quais foi o rosto) que continuam a castigar o Bloco de Esquerda, que até hoje não fez um balanço crítico do que foi a “geringonça”, nem alterou a substância da sua ação e das suas políticas. E assim sendo, independentemente das qualidades pessoais de Catarina Martins, porque haveria ela de, em junho de 2024, ter um resultado (4,26% dos votos) diferente do obtido em janeiro de 2022 (4,4%)? Na realidade, não o teve. Convenhamos, até, que partilhar o mesmo discurso “europeísta” do Livre (com quem tende a dividir os votos duma franja do eleitorado) também não ajudou… 

Quanto ao PCP, o seu resultado apenas veio mostrar que aqueles que acalentavam poder-se reduzir o recente descalabro eleitoral a um líder mal escolhido… estavam afinal enganados. Paulo Raimundo não terá o carisma que outros anteriores líderes do PCP tiveram, mas a crise do partido é muito mais profunda. Aliás, em eleições nacionais dos últimos anos, o PCP teve nas presidenciais de 2021 com João Ferreira 4,32%, nas legislativas de 2022 com Jerónimo de Sousa teve 4,30%, nas legislativas de 2022 com Paulo Raimundo teve 3,17% e agora nas Europeias com João Oliveira teve 4,12%. Venha quem vier, apresente como cabeça de lista seja quem for, com as atuais políticas que apelam para um reformismo “soberanista” no marco do capitalismo, o PCP está condenado a acumular derrotas. E, a prazo, é a própria sobrevivência do partido enquanto organização de massas com um papel interventivo na sociedade portuguesa que poderá estar em jogo.  

Enfim, ambos os partidos (PCP e BE) apresentaram os mesmos programas reformistas tíbios e cinzentos que defendem há anos. E traduzindo-se a crise do capitalismo também na crise do reformismo, num momento em que o sistema afunda, estes partidos aferrando-se a ele, são inexoravelmente arrastados para o abismo. 

II 

A ascensão do Chega não é afinal uma inevitabilidade. Teve, aliás, uma aterragem forçada: contra as expetativas alimentadas pelas várias sondagens, meios de comunicação e respetivos “comentadores”, o Chega teve um resultado decepcionante, recolhendo metade da percentagem eleitoral de há 3 meses e ficando abaixo dos 10%. Teve o Chega um fraco candidato? Sim, teve. E teve também André Ventura em todos os cartazes e flyers e todos os dias esteve ele em todos os comícios, ações de campanha e telejornais com o discurso do costume centrado na imigração e na criminalidade “descontroladas”. Porém, estes 9,79% correspondendo a 386 mil votos estão muito mais em linha com os 399 mil votos e os 7,18% das legislativas de 2022… do que com os mais de 18% que obteve ainda há 3 meses atrás nas eleições legislativas, quando houve a maior afluência às urnas em 30 anos! Desta vez, boa parte do “voto de protesto” que premiou o Chega nas legislativas ficou em casa. Não queremos com este exercício menosprezar o perigo da extrema-direita, mas tão somente ilustrar a volatilidade eleitoral que existe: o voto de protesto que em Março se dirigiu para o Chega, ontem ficou em boa medida por se expressar e amanhã poderá ter outro destino qualquer. 

Se no início destas reflexões postulámos que “não é um problema de lideranças: é um problema de políticas”; não quer isso dizer que as lideranças não joguem um papel. Com uma campanha que fez da marca “Cotrim Figueiredo” o (quase) único argumento, a Iniciativa Liberal (o grande vencedor da noite eleitoral) teve um resultado muito próximo do Chega, obtendo mais de 9%. Já o Livre, com o seu líder em boa medida ausente da campanha e com a publicamente conhecida má disposição para com o candidato que as primárias internas lhe foi (ao líder) imposto, falhou o Livre a eleição dum deputado. 

Quanto ao PS e a AD, voltaram a repetir a disputa taco-a-taco pelo primeiro lugar, cabendo desta vez a primazia ao PS, por apenas uns 40 mil votos. Nem mesmo o anúncio em catadupa de medidas eleitoralistas em vésperas do escrutínio (como as mudanças às leis sobre imigração) catapultaram os partidos do governo para o primeiro posto. Isto ao fim de 2 meses de governação! Caso para dizer que já não se fazem “estados de graça” para os governos como antigamente. Mas na verdade, estes resultados apenas corroboram o que já dissemos: o governo Montenegro é fraco e não gera nenhuma confiança. O movimento operário, o conjunto da esquerda, deve aproveitar esta fraqueza para lutar pelas suas reivindicações, mobilizando-se nas ruas.  

III 

Finalmente, umas linhas sobre a Europa, já que se tratou de eleições europeias. Sem surpresa, em muitos países, os partidos do governo foram penalizados. Contudo, o sucedido na França e na Alemanha ultrapassa o chamado “cartão amarelo” que muitas vezes ocorre neste tipo de eleições.  Em França caiu o governo e foram convocadas eleições gerais após a debacle que o partido do governo, o partido de Macron, sofreu: apenas uns humilhantes 14,60% dos votos, menos de metade do Rassemblement National de Marine Le Pen. Já na Alemanha o principal partido do governo de coligação, o “socialista” SPD, teve uns catastróficos 13,9%. Estes não foram apenas os piores resultados de sempre em eleições europeias. Contabilizando todas as eleições de carácter nacional, este foi mesmo o pior resultado do SPD desde… 1890, ano em que Bismarck deixou de ser chanceler alemão! 

França e Alemanha são os pilares da União Europeia e nos dois principais países da UE o que estas eleições vieram evidenciar é a contínua erosão dos partidos e poderes tradicionais, acentuando-se a instabilidade no continente, numa altura em que as burguesias europeias, por via da crise e das guerras imperialistas, precisam de intensificar a exploração dos trabalhadores, reforçar a repressão e remilitarizar em força. É verdade que, em face da ausência de uma alternativa revolucionária de massas, partidos populistas da extrema-direita com programas reacionários, têm captado o voto de descontentamento e a raiva que vai corroendo a sociedade. E nestas eleições registaram subidas importantes, sobretudo nestes dois países chave da UE. Mas a ascensão destes partidos apenas pressagia uma inevitável explosão da luta de classes, que será espicaçada também pela agenda ultrarreacionária que irão tentar aplicar se chegarem ao poder. Com a avolumar e prolongamento da crise sistémica do capitalismo como cenário e com esta radicalização à direita, malgrado os esforços de contenção por parte dos líderes dos sindicatos e partidos reformistas, haverá mais cedo que tarde uma radicalização também à esquerda. É inevitável e dialético e é do domínio da ciência, da terceira lei de Newton: toda a ação provoca uma reação de igual intensidade, mas de sentido oposto. 

Mas os reformistas, que continuam sem compreender as razões do fracasso das suas políticas, desses fracassos que abriram caminho para a ascensão temporária destas forças reacionárias, só veem “fascismos” por toda a parte. Nisto são iguais aos esquerdistas e sectários: em comum têm todos uma enorme falta de confiança na capacidade de luta dos jovens e trabalhadores que consideram alienados e “aburguesados”, quando não rendidos ao “fascismo”.  

Não nos iludamos: políticos como Ventura, Le Pen ou (fora do contexto europeu) Trump são absolutamente reacionários e inimigos declarados da classe trabalhadora, mas não são (pelo menos por agora) líderes de movimentos fascistas, que organizam a pequena-burguesia arruinada e o lúmpen desesperado em formações paramilitares com vista esmagar fisicamente os trabalhadores e as suas organizações. Não têm força para isso. E, na verdade, a relação de forças é hoje muito mais favorável à classe trabalhadora do que nos anos 30 do século passado quando, por exemplo, o campesinato (ao contrário dos nossos dias) era uma classe social numericamente importante e foi um dos principais esteios do fascismo. 

IV 

De regresso à “casa da partida”, um dos elementos de maior perplexidade da noite eleitoral foi a euforia com que os resultados eleitorais foram recebidos tanto pelo Bloco como do PCP!  

O líder parlamentar do Bloco falou mesmo em “celebração”, pela “derrota da extrema-direita” (o Chega teve o dobro dos votos do Bloco) e pela eleição de Catarina Martins… o que na prática se traduziu pela celebração da perda de um deputado! E continuando em espírito de celebração, Fabian Figueiredo afirmou ainda que Catarina Martins será uma “voz pela justiça climática e pela inclusão”. Num parlamento de 720 eurodeputados que nem verdadeiros poderes parlamentares tem… ela será verdadeiramente (parafraseando os Evangelhos) “a voz que clama no deserto”. Celebremos, portanto. 

Até porque a seu lado estará João Oliveira, aquele que será “a voz do povo” – de acordo com o secretário-geral do PCP, que criticou ainda os que “se apressam agora a apresentar como derrota a conquista de um mandato…” iludindo que, na verdade, o PCP conquistou um mandato, perdendo o outro que tinha! 

Permanecendo sintonizados na hora da vitória, tanto o PCP como o BE coincidiram: este celebrado triunfo que alcançaram e que se traduziu na perda de votos e mandatos, foi possível apesar das “circunstâncias muito adversas” (Raimundo) e “numas eleições que sabíamos que eram difíceis” (Catarina Martins).  

Ironias à parte, o porquê destas eleições serem “difíceis” ou as circunstâncias “adversas” eles não explicaram. O que é pena. Seria, de facto, interessante que explicassem porque é que estando o país a atravessar uma terrível crise social, com repercussões no poder de compra dos trabalhadores, no acesso à habitação ou na degradação dos serviços públicos, a esquerda que eles lideram tem tão maus resultados? Será porque os trabalhadores não esquecem que, quando lhes proporcionaram o melhor desempenho eleitoral em décadas (2015), estes dirigentes pegaram nos votos e fizeram deles muletas para sustentar durante anos a governação do PS que, já depois de se ter desembaraçado da “geringonça”, caiu com estrondo a meio dum mandato com maioria absoluta? 

Julgam-se muito realistas, mas os dirigentes do Bloco e do PCP vivem numa realidade paralela, dando-se a todo o género de malabarismos e truques retóricos para esquivarem-se à crítica, análise e ao apuramento das suas próprias responsabilidades, chegando ao extremo até de celebrar a sangria de votos e mandatos como um “ato de resistência” porque afinal… não foi tão mau assim, como receavam que pudesse ter sido numas “circunstância” e eleições que se tornaram “difíceis” e “adversas” apenas e exclusivamente pelas suas políticas erradas. 

Urge à esquerda arrepiar caminho. Nós não temos como saber durante quanto tempo os militantes do PCP e do Bloco aceitarão ser conduzidos por este caminho. Mas nós comunistas, com as nossas escassas forças, iremos continuar a bater-nos por uma alternativa revolucionária ao capitalismo e à União Europeia, convidando todos os ativistas e militantes para essa tarefa que não se esgota (sequer) nas fronteiras do país. Também por isso estamos empenhados na construção da Internacional Comunista Revolucionária, agora fundada. Junta-te a esse combate! 

Não à União Europeia, não à NATO, não ao capitalismo! 

Pela Federação Socialista dos Povos da Europa,  

Proletários de todos os países, uni-vos! 

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