O Coletivo Comunista Revolucionário olha para o futuro com plena confiança. Não temos uma fé cega no porvir. O nosso otimismo revolucionário baseia-se em perspetivas sóbrias sobre a situação nacional e internacional e na segurança nas nossas ideias e na nossa classe, a classe trabalhadora. Não é nenhum exagero afirmar que somos a única organização otimista na esquerda portuguesa, e orgulhamo-nos disso. Esse nosso otimismo incute-nos a resolução de cumprir o colossal objetivo que nos temos dado: a construção de um partido revolucionário que possa dirigir a classe trabalhadora à conquista do poder e transformar o mundo.
O pessimismo da esquerda
Estamos acostumados às lamentações do Bloco de Esquerda (BE) e do Partido Comunista Português (PCP), que há anos vem sofrendo sucessivos recuos eleitorais (e não só eleitorais). As recentes eleições autárquicas, que trouxeram mais um descalabro para estes partidos, deram uma nova oportunidade aos seus dirigentes para exprimirem a sua visão sombria da conjuntura. O PCP falou, de novo, de um “quadro particularmente exigente”. Por sua parte, o BE lamentou a “viragem muito profunda à direita” na sociedade portuguesa.
O que quer dizer tudo isto? Que no meio do que o próprio PCP define como uma “crise estrutural do capitalismo”, os trabalhadores, longe de se radicalizarem, estariam mais atrelados do que nunca ao sistema, com a ideologia da burguesia, nas suas palavras, a “invadir as massas”. Os recuos do PCP e do Bloco de Esquerda seriam, portanto, pura e simplesmente consequência da alienação e (diga-se) estupidificação dos trabalhadores. Este argumento exime estes dirigentes partidários de quaisquer responsabilidades pelo seu declínio. Exime-os de qualquer autocrítica, colocando toda a culpa na classe trabalhadora que caiu vítima da “ofensiva ideológica” do capital.
Ao mesmo tempo, a suposta “viragem à direita” justificaria uma maior adaptação destes partidos à ala “liberal” da burguesia e ao regime democrático burguês, moderando a sua linha política no interesse da luta comum pela “democracia”. Para o Bloco de Esquerda torna-se “essencial a expressão unida de todas as vozes e forças políticas que se reveem nos valores e no texto da Constituição”, enquanto o PCP considera preciso “afirmar os valores da democracia” contra as “ameaças” que sobre ela pairam. Em definitivo, o pessimismo do PCP e do BE não parte só de uma análise (na nossa opinião) errada e unilateral da situação, não só desmoraliza os seus militantes e apoiantes, mas, ainda pior, procura blindar a burocracia destes partidos de qualquer crítica e justificar a sua política oportunista de adaptação ao capitalismo.
Esta visão sombria, porém, estende-se à esquerda extraparlamentar. Tomemos, por exemplo, o Coletivo Ruptura, que afirma estarmos “rumo ao abismo” e alertam do risco de “ceder ao desespero” de “quem vê o espectro da Reação a ganhar ímpeto”. Ou peguemos no exemplo de Semear o Futuro, para quem há em curso uma “ofensiva neoliberal e neofascista” e uma “correlação de forças favorável aos capitalistas”.
Este derrotismo emana do seu impressionismo, ou seja, da tendência a tirarem conclusões precipitadas, enviesadas e unilaterais pegando nos elementos reacionários da situação, exagerando-os e isolando-os do contexto geral, e olhando para uma fotografia estática do momento, em vez de enxergarem para um processo contraditório e em movimento. Para vermos o quadro mais amplo e a direção geral dos acontecimentos, temos de substituir o impressionismo pelo marxismo, que Trotsky já definira como a superioridade da previsão sobre o assombro.
Voltar ao ABC
Karl Marx explicou que é o ser social que define a consciência, e não ao contrário. Por outras palavras, as ideias das pessoas são definidas pelo seu modo de vida, sobretudo pela sua condição económica. A profunda crise capitalista que vivemos, que está a abalar a vida da classe trabalhadora, erodindo as suas condições materiais, terá um impacto na sua consciência e minará a sua confiança no regime. Dir-se-ia, aliás, que a esquerda portuguesa abraçou o idealismo, ao achar que basta com uma “ofensiva ideológica” da burguesia para evitar a radicalização dos trabalhadores e, mais do que isso, torná-los em defensores do sistema no meio da sua crise orgánica.
O declínio do capitalismo, consequência inevitável das suas contradições, colocará a necessidade do seu derrube revolucionário. Essa tarefa só poderá ser realizada pela classe trabalhadora, devido à posição que ocupa na economia capitalista: o seu antagonismo com a burguesia; a sua coesão e concentração e a relativa homogeneidade das suas condições de vida; o carácter social e colaborativo do seu trabalho, que contém a semente do socialismo.
Ora, este ABC não esgota a questão. Há outras letras no abecedário. A consciência é determinada pela economia, sim, mas essa relação não é mecânica ou linear, é dialética e avança por saltos. Não há nenhum mecanicismo na visão marxista da história. Como Marx e Engels já explicaram na Sagrada Família, “não é, por certo, a ‘História’ que utiliza o homem para alcançar seus fins – como se se tratasse de uma pessoa à parte -, pois a História não é senão a atividade do homem que persegue os seus objetivos.” Por outras palavras, as necessidades objetivas da história nada significam se elas não se expressarem na consciência e na ação de homens e mulheres concretas.
A consciência humana é profundamente conservadora e rotineira. Ela tende a refletir o passado através de velhos preconceitos fossilizados, que tentam conciliar o indivíduo com as suas condições de vida. A burguesia, através dos seus poderosos meios ideológicos, alimenta esses preconceitos todos os dias. Mas, dialeticamente, este conservadorismo acaba por provocar saltos revolucionários no pensamento das pessoas, porque numa determinada altura, sob a pressão das circunstâncias, a separação entre os preconceitos e a realidade torna-se irreconciliável e a consciência é obrigada a “atualizar-se”. Uma revolução é, em essência, esse repentino “alinhamento” da consciência com a situação objetiva, tão abrupto quão o alinhamento sísmico das placas tectónicas num terramoto. Como explicava Trotsky:
“As bruscas mudanças de opinião e do humor das massas, em épocas de Revolução, provêm não da maleabilidade ou da inconstância do psiquismo humano, mas do seu profundo conservadorismo. As ideias e as relações sociais, permanecem cronicamente em atraso quanto às novas circunstâncias objetivas, até o momento em que tais circunstâncias se abatem como um cataclismo.”
Todavia, a tomada de consciência é muito desigual. Geralmente, as massas aprendem através da experiência. Inicialmente, procuram o caminho aparentemente mais fácil e indolor para resolver os seus problemas, orientando-se para fórmulas reformistas e milagrosas. Através da dura escola da vida, essas as ilusões vão-se dissipando, e as massas apercebem-se que as suas reivindicações mais básicas entram em contradição com o sistema no seu conjunto, que deve ser derrubado.
O falhanço da esquerda
A tomada de consciência, por sua vez, é desigual e evolui a ritmos diferentes. Há setores mais avançados na classe trabalhadora, que tiram conclusões antes que o resto. A tarefa desta vanguarda é assinalar o caminho ao resto, tornando as intuições e instintos vagos das massas em perspectivas claras, e o desejo confuso de uma mudança num programa acabado de transformação social. A missão da vanguarda é, em definitivo, incutir ao resto de classe confiança e determinação na via revolucionária. No início, a classe pode não acompanhar a vanguarda, mas os acontecimentos dar-lhe-ão a razão e lhe permitirão conquistar a maioria.
Esse é o principal fator que falta hoje, uma organização revolucionária à altura das circunstâncias. Longe de oferecer uma explicação clara da situação e uma alternativa clara ao capitalismo, os dirigentes do PCP e do BE (e da CGTP) aferram-se ao sistema e ao regime, fornecendo perspectivas sombrias e desmoralizantes. Diga-se que os pequenos grupos socialistas e comunistas, também alimentam, pela esquerda, essa retórica derrotista e desmobilizadora.
É, precisamente, o falhanço da esquerda que criou as condições para uma superficial viragem, temporária e principalmente eleitoral, à direita. Há dez anos, o PCP e o BE obtinham um milhão de votos. Esse grande apoio foi sacrificado no altar da geringonça. O governo de António Costa acabou por gerir a crise do capitalismo, tornando-se responsável por ela aos olhos da população, e arrastando consigo o PCP e o BE. Não foi feita nenhuma autocrítica nem nenhum balanço sério daquela experiência. Pelo contrário, o que propõem o BE (explicitamente) e o PCP (implicitamente) são novas geringonças para “romper com a política de direita”.
Este falhanço empurrou um setor das massas para a direita, à procura de uma saída à crise, ou melhor dizendo, de uma forma de exprimir a sua raiva. Sendo que não encontraram essa alternativa à esquerda, muitos trabalhadores se orientam agora para o Chega, atraídos pela sua demagogia radical e pelas suas fórmulas milagrosas. O problema da demagogia é precisamente que se baseia em ilusões, bodes expiatórios e promessas irrealizáveis. A própria realidade desmascarará André Ventura. Ele nem quer nem pode impor uma ditadura totalitária e sujeitar o proletariado sob o seu calcanhar de ferro (a função histórica do fascismo).
O fascismo surge na história depois de grandes derrotas da classe trabalhadora, como aconteceu em Itália, onde Mussolini tomou o poder após o aborto das agitações de 1918-1920, ou na Alemanha, onde Hitler impôs a sua ditadura em 1933 depois de quinze anos de conclusões revolucionárias inconclusivas. Aqueles líderes fascistas se apoiaram principalmente na pequena burguesia (os pequenos proprietários e profissionais), desesperada pela crise social e política prolongada.
A situação hoje é muito diferente. A pequena burguesia é uma sombra do que ela era em 1922 ou 1933, proletarizada e privada da sua propriedade pelo próprio avanço do capitalismo, enquanto não estamos hoje no ocaso de um período revolucionário, mas no seu primeiro amanhecer. Ventura não se alça sobre uma massa sólida de pequeno burgueses reacionários, mas sobre uma base social heterogênea e frágil, que pode forjar demagogicamente pelos recuos e falhanços da esquerda.
André Ventura não é um novo Hitler ou um Mussolini, é um demagogo burguês cujo declínio será tão pasmoso quanto foi a sua ascensão. As guinadas abruptas à esquerda e à direita são um sintoma, de facto, da efervescência e inquietação das massas, chicoteadas pela crise.
O mundo virado do avesso
A interpretação da esquerda da ascensão dos populistas de direita é muito unilateral. Ela só vê uma face da moeda. É certo que em muitos países, incluindo Portugal, o descontentamento está a ser aproveitado temporariamente por demagogos reacionários como Ventura. Todavia, em paralelo, temos presenciado a maior vaga na luta de classes em muitas décadas, onde as convulsões económicas e sociais internas se tem misturado com fatores de política internacional, nomeadamente o genocídio na Palestina, para produzir um coquetel explosivo. Do Nepal até Madagáscar, da Indonésia até à Sérvia, de Marrocos até a Itália, inúmeras revoltas e revoluções têm abalado ou derrubado governos e regimes. Nestas mobilizações, a classe trabalhadora tem mostrado toda a sua força e coragem, protagonizando greves gerais e impulsionando levantes populares. É verdade que essas revoltas não conduziram a revoluções socialistas. Isso não foi pela falta de combatividade ou de maturidade das massas, mas devido à falta de organização revolucionária.
O caso italiano é especialmente relevante. Aqui, num país governado por uma populista de direita da família política de André Ventura, a população se alçou em enormes protestos e duas greves gerais políticas, impulsionadas pelas massas contra a reticência dos burocratas sindicais, e motivadas pela solidariedade internacional pela Palestina. Estes factos são a melhor refutação das lamentações da esquerda pessimista, que pranta sobre a “alienação” dos trabalhadores e o “domínio ideológico” da burguesia.
A Europa toda está a tornar-se num barril de pólvora, e nela Portugal é um elo fraco. A crise é global, mas este continente é um dos seus principais epicentros. O capitalismo europeu é incapaz de fazer face aos grandes monopólios chineses e norte-americanos no atual contexto de sobreprodução, onde o mercado mundial está saturado. Fragmentado em pequenos Estados com burguesias egoístas enfrentadas entre si, desprovisto do gás barato russo e do guarda-chuvas estadunidense e obrigado a criar um novo e custoso aparelho militar imperialista, o capitalismo europeu afunda numa crise mortal. As bases da velha prosperidade europeia estão a ser pulverizadas.
É verdade que o proletariado europeu gozou de condições de vida comparativamente vantajosas durante muitas décadas. Mas essas vantagens estão a ser destruídas diante dos nossos olhos. A mola propulsora das revoluções não é a miséria absoluta, mas as mudanças abruptas e relativas nas condições de vida. A Europa atravessa precisamente uma mudança deste género, que já está a abalar as consciências de milhões, que está a obrigar-lhes a pensar e a revisar os seus preconceitos e ilusões, e que terá, mais cedo ou mais tarde, consequências revolucionárias.
Chegou o momento do comunismo revolucionário
Nós, comunistas revolucionários, orgulhamo-nos de ser os únicos que olham para o futuro com otimismo. Vivemos em tempos convulsos, de crise e declínio do sistema. Mas nós temos uma alternativa. Acreditamos firmemente no nosso programa revolucionário. Se a descomunal riqueza e capacidade técnica criada pela classe trabalhadora for tirada das mãos dos capitalistas, se for posta ao serviço da maioria, sujeitando-a à planificação democrática, poderíamos resolver todos os grandes problemas da humanidade e garantir condições de vida dignas para todos. Para isso é preciso uma revolução proletária. A classe trabalhadora já está a mexer-se, e os combates que estamos a presenciar são só pequenas escaramuças comparados com as lutas que se preparam. Acreditamos na classe trabalhadora, não por quaisquer fetiches, mas porque o seu papel económico lhe dá uma força potencialmente revolucionária, como nos ensina a história. O que é necessário é uma organização capaz de dirigi-la à vitória. Ela não existe ainda, deve ser construída. Essa é a missão que nos temos dado. Vai ser um trabalho longo e complexo, com fases diferentes, mas a consciência de que a nossa militância é historicamente necessária dá-nos uma energia, uma determinação e um otimismo inesgotáveis que nos permitirão destruir todos os obstáculos no nosso caminho.
Coletivo Comunista Revolucionário Comunistas Revolucionários de Portugal