Segundo os dados oficiais, os sem-abrigo têm aumentado em Portugal num 78% nos últimos quatro anos. Só em 2023, o aumento foi de 25%. Mas as estatísticas provavelmente fiquem aquém da realidade. Basta caminhar por qualquer cidade do país para perceber a magnitude do problema, com acampamentos de tendas a aparecerem por toda a parte.
Segundo as associações que lidam com este problema, o perfil dos sem-abrigo está a mudar. Se no passado os sem-abrigo eram sobretudo toxicodependentes, agora são principalmente pessoas “integradas socialmente”, até muitas vezes com trabalho, mas que não conseguem pagar as rendas. Uma vez na rua, fica mais difícil obter um trabalho estável, entrando-se assim num círculo vicioso. Nas palavras de um voluntário entrevistado pela Lusa, são “pessoas saudáveis que estão a lutar pela vida”. Ora, o problema não é só português: os sem-abrigo estão a aumentar no mundo todo (num 12% em 2023 a nível internacional).
Não é difícil perceber as causas do flagelo: a inflação e, em particular, o aumento exorbitante das rendas, não só em Lisboa e no Porto, mas também em cidades mais pequenas. Ter um salário não é, de modo algum, garantia de ter acesso à habitação. Na verdade, dormir na rua é só a ponta de um icebergue de dramas sociais – de precariedade, ameaças de despejo, sobrelotação, pobreza energética, etc. No caso dos trabalhadores migrantes, sujeitos a um “apartheid” de discriminação e de exigências burocráticas para poderem trabalhar, estas condições são ainda mais difíceis.
E qual é a resposta das autoridades? No melhor dos casos, tapa-buracos como casas de acolhimento sobrelotadas e a caridade, mas, na maior parte das vezes, a resposta é a repressão, quer através das grades e da “arquitetura hostil”, que procura dificultar que se durma no exterior (basta só atravessar o Martim Moniz para ver inúmeros exemplos disto), ou diretamente através das expulsões pela polícia, como aconteceu no ano passado no Almirante Reis durante a visita do papa.
Este drama é uma acusação radical ao capitalismo, um sistema inumano, totalmente podre, que está a arrastar a humanidade à barbárie e que deve ser derrubado. Enquanto as cidades são entregues à especulação e ao turismo para o lucro de uma pequena minoria de parasitas, enquanto há milhares de prédios a serem transformados em apartamentos turísticos, ou que simplesmente ficam devolutos, há cada vez mais pessoas a viverem na rua. Há casas suficientes para todos (e recursos para construir mais se for preciso). O problema não é a falta de recursos, é a grande propriedade privada e o sistema do mercado, cuja única mola propulsora é o lucro dos burgueses.
A crise tem culpados: são os grandes investidores, a REMAX, Blackstone e a Lone Star, a Engel and Volkers, os donos dos grandes bancos e construtoras, o Vítor Manuel da Silva Ribeiro, o Pierre Castel, a família Entrecanales, são os grandes consultores que se gabam dos seus negócios milionários. O seu “chifre da abundância” baseia-se na nossa miséria.
Mas este drama é também uma impugnação à democracia burguesa portuguesa. A constituição formalmente garante o direito à habitação, mas o Estado burguês não tem o mais mínimo interesse em aplicar esta letra morta, enquanto defende com unhas e dentes o direito à propriedade privada dos capitalistas, despejando famílias e oferecendo toda classe de vantagens aos especuladores. O Carlos Moedas, o Rui Moreira, o António Costa e Luís Montenegro e todos os políticos burgueses, também são, portanto, culpados.
São os trabalhadores a construírem as casas, são os trabalhadores que geram a riqueza dos burgueses. A classe operária, sem a qual nem uma lâmpada brilha e nem uma roda gira, pode construir um mundo novo sem os capitalistas, com casas para todos, se se organizar e lutar. Esse é o único caminho. Como diz a canção:
“Dizem que quem nasce pobre e sem dinheiro para estudar tem que andar sempre de canga e tem que se sujeitar ao que a sorte lhe trouxer, às migalhas que apanhar; essa sorte eu a renego que só dá sorte ao patrão, é conversa de quem quer continuar a exploração, vou lutar que a minha sorte há de sair da minha mão!”