Uma fotografia capta uma imagem estática, um retrato momentâneo e singular duma determinada realidade, ela concentra-se na composição, iluminação e emoção de um único quadro. Já o cinema agrega uma sequência de imagens em movimento que, no seu conjunto e através de um guião, criam uma narrativa visual compondo uma história. A fotografia está para o cinema, como as eleições estão para a luta de classes.
As eleições autárquicas do dia 12 capturaram um retrato que, por ser momentâneo, é efémero; e que, por ser estático, não é capaz de abarcar o conjunto da luta social.
Tome-se a vitória dos partidos do governo AD. É indubitável que triunfaram nestas eleições. Governavam o país e agora, como profusamente salientado pelo “comentariado” televisivo, governam também os 5 concelhos mais populosos do país: Lisboa, Porto, Sintra, Cascais e Vila Nova de Gaia.
Porém, em nenhum deles conseguiram a maioria absoluta. Apesar das várias sondagens, durante a campanha, apontarem para um resultado incerto, nem mesmo isso serviu para mobilizar especialmente os eleitores: taxa de abstenção foi de 50% em Cascais e Sintra enquanto em Lisboa, Gaia e Porto a abstenção bateu nos 43%.
Carlos, Moedas, por exemplo, foi eleito presidente de câmara por apenas 23% dos eleitores registados em Lisboa. E para isso teve ainda de reunir uma coligação de 3 partidos! Embora não tenha, portanto, um grande entusiasmo popular, tem o que mais lhe importava: a legitimidade “democrática” (burguesa) para desgovernar a cidade mais 4 anos.
Costuma dizer-se que por um voto se ganha e por um voto se perde. Mas nada se diz quando o voto é negado, seja por entraves na Lei, seja por obstáculos burocráticos, ao sector mais explorado e oprimido da classe trabalhadora, os trabalhadores migrantes, a maioria vivendo nestes e nos demais grandes concelhos do país. Eles, a quem ontem foi, em boa medida, negada voz nas eleições autárquicas serão, todavia, chamados a desempenhar no futuro um papel bastante vocal na luta de classes…
O PSD ganhou as eleições a um PS em estado comatoso, vindo das piores legislativas da sua história. Um PS que pedincha um lugar de parceria preferencial nas negociações que o PSD é obrigado a fazer no parlamento e que, em véspera das eleições, veio a público garantir a viabilização do próximo orçamento que trará cortes no SNS e um aumento exponencial nos gastos com a “Defesa”…
Em si, não deveria ser um grande feito ficar à frente deste PS, mas é realmente extraordinário que o PSD tenha conseguido vencer em apenas mais 9 municípios que o PS e perder câmaras importantes como Faro, Coimbra, Viseu ou Bragança para os socialistas… E que estes últimos tenham, ainda assim, assegurado um pecúlio eleitoral tal que, mesmo diante das perdas, fossem capazes de suspirar de alívio.
Montenengro gabou-se que o PSD governa o país, ambas as regiões autónomas e os principais concelhos. Mas o colosso que ele lidera tem pés de barro.
O Chega
Não fosse pela arrogância e eterna bazófia do André Ventura (e dos seus bajuladores) e ele teria surgido como o grande triunfador da noite eleitoral. Contudo, fica difícil cantar vitória quando se anuncia que se vai ganhar dezenas de câmaras, e se termina com 3 na mão, metade daquelas que foram ganhas pelo CDS concorrendo sozinho.
Contudo, para além das 3 câmaras, será ainda o fiel da balança em dezenas de municípios com os seus 137 vereadores. Terá pelouros, terá gabinetes, terá assessores. Tem agora a chance de começar a criar toda uma clientela local.
Tal como no ano passado, quando após as eleições legislativas o Chega teve metade da votação nas eleições europeias que se seguiram; também agora, após as eleições de Maio, o Chega teve metade da percentagem obtida. Há um Chega quando Ventura é candidato e um Chega quando ele não o é, mesmo que apareça em todos os cartazes. Isso reflete a natureza de protesto do voto que congrega, mas não se alimentem ilusões: o Chega teve cerca de 650 mil votos e quase 12% a nível nacional. Chegou mesmo aos 19,87% no distrito de Setúbal, 20,48% no distrito de Faro e 15,69% no distrito de Lisboa.
O Chega ganhou raízes nas zonas suburbanas, em especial de Lisboa. O seu populismo congrega vários sectores sociais, entre eles uma camada politicamente atrasada e alienada da classe trabalhadora. Muito dificilmente não continuará a crescer no próximo período.
Os reformistas de esquerda
O colapso continua.
A CDU voltou a perder votos, eleitos e câmaras. Foi humilhada em Setúbal e em Évora: deixou de governar as duas cidades para passar a ser (respetivamente) a 4ª e a 3ª força política. O PSD tem mais câmaras no Alentejo que a CDU. No Algarve os únicos 3 vereadores eleitos são todos de Silves onde conseguiu segurar a câmara. Na maior parte dos distritos não foi capaz de eleger qualquer vereador.
Em Lisboa, face à decisão de Bloco e o Livre se atrelarem ao PS numa coligação sem brilho nem grandes ideias, a CDU tinha campo aberto para crescer como oposição de esquerda na capital. Falhou pela moderação duma campanha e dum programa onde, por exemplo, nem foi capaz de denunciar sem subterfúgios ou meias palavras a praga do Alojamento Local. Segurou o seu eleitorado face à pressão do voto útil, mas não conseguiu progredir junto do eleitorado das outras esquerdas, nem entusiasmar os abstencionistas. No fim, amargamente, a CDU ficou atrás do Chega por apenas 11 votos, perdendo um vereador na capital.
Perante uma derrota eleitoral em toda a linha, uma vez mais, o secretário-geral do PCP justificou-se com “um quadro particularmente exigente” e consolou-se com a manifestação de “resistência” que, para ele e para o Comité Central, na prática significa a mera sobrevivência a mais um ato eleitoral.
Quanto ao Bloco e ao Livre, nem se deram por eles nestas eleições. Em vários municípios fundiram-se com o PS, elegendo vereadores às suas cavalitas numa coligação em Lisboa, onde abdicaram da sua autonomia e de uma luta séria por uma verdadeira mudança na cidade, preferindo dar a mão aos socialistas em cuja anterior gestão da CML explodiram a especulação imobiliária e a turistificação da cidade. PS, aliás, que deixou passar todos os orçamentos e todas as grandes linhas de atuação de Carlos Moedas nestes últimos quatro anos de “oposição”.
Os pífios resultados dessa coligação mostram como em política nem sempre o todo é maior que a soma das partes. A coligação liderada pela Alexandra Leitão (ex-ministra de Costa) não foi capaz (sequer) de somar os votos dispersos pelos vários partidos em 2021. Isto deveria fazer meditar todos aqueles que apelam à unidade da esquerda sem critérios, nem princípios.
Tudo isso não impediu Mariana Mortágua de fazer “um balanço positivo” das coligações que o BES foi fazendo… com o PS, o Livre, o PAN e até com o Volt! Para Mortágua e perante mais uma tragédia eleitoral, “a estratégia do Bloco está correta”, o povo português é que aparentemente conduz todo em contramão… ou, nas suas palavras: o país continua numa “viragem à direita”.
O porquê, a razão dessa “viragem” é que continua um mistério guardado a sete chaves tanto para Mortágua, como para Raimundo, como até para Tavares.
Perante as sucessivas debacles eleitorais e o desgaste da influência social de PCP e Bloco, é inadmissível a ausência de explicações (e culpar o Universo não é uma justificação plausível) por parte dos seus dirigentes. Se estes se recusam, cabe aos militantes encetarem uma séria reflexão, sob pena de assistirem passivamente ao definhamento para a irrelevância das suas organizações.
Enquanto o país vive uma profunda crise social que se manifesta no custo da habitação, na degradação dos serviços públicos e do poder aquisitivo dos salários; e enquanto os reformistas de esquerda se parabenizam com as suas “estratégias corretas” e sacodem as responsabilidades dos seus capotes, são os demagogos da direita reacionária do Chega que vão capitalizando o ressentimento e a raiva contra o sistema que está efetivamente apodrecido.
Seria cómico se não fosse trágico. Mas chega a ser ridículo que se lamentem das conjunturas e dos “quadros exigentes”, quando nas últimas três semanas greves gerais abalaram a Grécia, a Itália e a França. Hoje mesmo (terça, 14 de Outubro) há uma greve geral a paralisar a Bélgica!
Naturalmente, em todos estes países foi a pressão da base, em muitos casos à margem das organizações tradicionais, que empurrou o movimento para a frente. Não será diferente em Portugal, porque a miopia, o pessimismo e autocomiseração são comuns aos reformistas de todas as latitudes.
E agora, após estas eleições autárquicas?
Agora segue-se um orçamento de Estado que pretende beneficiar o patronato e continuar a erodir os serviços públicos. Segue-se também um pacote laboral que constitui um duro ataque aos trabalhadores, ao direito à greve e organização sindical. O discurso racista e securitário que visa fazer dos imigrantes bode expiatório também não irá parar: porque o capitalismo está em crise e só se pode manter com a divisão da classe trabalhadora.
Mas nada disto é uma inevitabilidade! As recentes manifestações contra as novas lei da imigração ou em solidariedade com a flotilha e com Gaza mostraram que há raiva e vontade de lutar, que há um sector que se está a radicalizar diante da crise e dos grandes eventos. Mas esse sentimento precisa de um meio e de um escopo para se desenvolver.
Face ao descrédito dos reformistas, cuja crise é ela própria um reflexo da crise do capitalismo, só há um caminho a tomar: organizar uma alternativa de classe, construir um movimento revolucionário de massas. O governo AD tem pés de barro. A ofensiva da direita e do patronato pode ser derrotada. Liga-te à luta, junta-te ao CCR.
Coletivo Comunista Revolucionário Comunistas Revolucionários de Portugal