Artigo de João Maia
O conceito de “renda moderada” para Luís Montenegro, com valores até aos 2300€, revela sobretudo a natureza de classe deste governo. Aliás, o primeiro-ministro é não só um dócil representante dos interesses da classe dominante como faz parte dessa mesma classe, revelando um património imobiliário onde constam seis imóveis urbanos e 46 (!) prédios rústicos herdados da família. Montenegro é aliás um bom retrato da classe dominante nacional – herdeira, apesar de encher o peito e lacrimejar de emoção ao entoar louvores ao trabalho honesto e à meritocracia (a “subida a pulso” que tanto os excita); parasitária, encostando-se ao Estado enquanto clama pelo seu emagrecimento (para quem trabalha, claro está); “chico-esperta”, herdando a velha vocação do empreendedor português quando o assunto é escapar às malhas do fisco e da legalidade; rentista, para fazer face à ausência de inventividade e de inovação e para disfarçar a sua endémica ignorância; individualista, sem qualquer preocupação social a não ser “deixar um legado” para a família.
Uma classe dominante (internamente) e dominada (externamente), recuperando a ideia do sociólogo Florestan Fernandes em relação ao caráter periférico e dependente da economia brasileira, que podemos recuperar para Portugal. No fundo, uma burguesia que explora o trabalhador nacional até à medula, num país onde mais de 40% da população viveria abaixo do limiar de pobreza sem as transferências do assistencialismo estatal, mas que se curva perante os interesses da burguesia europeia e americana, expondo a sua insignificância e mediocridade.
Montenegro e o arco da governação que suporta a sua política, do PS ao CHEGA, são parte ou sustentam politicamente esta trupe de negociantes pouco honestos. Por isso as supostas medidas de combate à emergência habitacional são aquilo que se apresentam perante nós: aumento da dedução à coleta de IRS dos encargos com rendas para 900 euros em 2026 e para 1.000 euros em 2027 nos contratos de habitação a preços “moderados”; redução do IRS dos proprietários de 25% para 10% nos contratos com renda acessível; fim do pagamento das mais-valias em sede de IRS se estas forem reinvestidas em habitações acessíveis; simplificação e desburocratização de licenciamentos; fim do limite para a subida das rendas nos novos contratos. Como se constata, um conjunto de medidas que premeiam a principal responsável pela crise, a classe parasitária dos senhorios e especuladores imobiliários, que vêm mais verba do Estado (do contribuinte trabalhador) a migrar para o seu bolso.
Obviamente, propostas como tetos máximos e congelamento das rendas; expropriação ou taxação exemplar de propriedades devolutas e sem função social, muitas delas apartamentos vazios nas zonas urbanas com fins especulativos; construção pública a preços realmente acessíveis em articulação com o poder local ou arrendamento acessível de imóveis do Estado não estão no horizonte de um governo de senhorios e para senhorios, de especuladores para especuladores, de burgueses para burgueses. O aparelho hegemónico do Estado capitalista português faz o resto – nas televisões, nas redes sociais e na imprensa, fabricam a ideia que estas medidas são a segunda vinda do comunismo soviético, que quem as apoia é um radical extremista, ideia que tentam implementar como verdade na classe trabalhadora.
Se a política de Montenegro é moderada, assumamos nós o rótulo de radicais, extremistas e populistas. Queremos uma rotura com um sistema em que a promiscuidade entre negócio e política é não só regra sacrossanta, mas faz parte do ADN do próprio sistema. Queremos uma defesa radical de quem trabalha no nosso país e não dos interesses da burguesia nacional e estrangeira. Queremos soluções para um problema habitacional que obriga jovens a emigrar, os retêm em casa dos pais ou os coloca à espera que estes morram para herdar a única propriedade que vão ter ao longo da vida, que os obriga a dividir casa e partilhar espaços comuns com amigos ou mesmo desconhecidos para conseguir pagar uma renda minimamente comportável, mesmo para quem trabalha e recebe ligeiramente acima da média nacional.
As soluções não virão do sistema, seja do “centrão” dos altos interesses económicos, seja dos fanáticos mileístas da IL que promovem uma política darwinista social, cães mais fiéis de uma nova burguesia cool e moderna, seja do CHEGA, que vociferando contra o sistema se revela cada vez mais como um produto do mesmo, uma solução bonapartista da burguesia portuguesa mais rasteira e arcaica para fazer face à sua própria mediocridade face às suas homólogas europeias e americanas. As soluções virão de uma política socialista, que apenas uma nova força política, de fora do sistema, pode propor aos portugueses. Construamos essa nova força.
Coletivo Comunista Revolucionário Comunistas Revolucionários de Portugal