As mobilizações após o sequestro da Global Sumud flotilha na semana passada representam uma mudança qualitativa no movimento pela Palestina, em Portugal e na Europa toda. Na quinta-feira e no sábado aconteceram protestos nas principais cidades portuguesas, onde o ambiente de raiva acabou traduzindo-se em manifestações selvagens e bloqueios de estradas e infraestruturas. A situação mudou e temos de examinar as tarefas que disto se derivam.
Em Lisboa, os candidatos às autárquicas foram rodeados durante horas na sede de um debate televisivo por uma grande multidão, enquanto no sábado a estação do Rossio foi ocupada por centenas de manifestantes. Aquele protesto teria se prolongado se não fosse pelo trágico ferimento de um manifestante na catenária dos comboios. Em Coimbra, o bloqueio da Ponte Santa Clara resultou em violentas cargas policiais e vários detidos. No Porto, o trânsito foi cortado na praça D. Jõao I.
Pairava sobre todas estas ações a inspiração dos protestos multitudinários em Espanha, França e, sobretudo, Itália, abalada por duas greves gerais (a segunda delas maciça) e uma jornada de mobilizações sob a palavra de ordem “bloqueemos tudo”. É verdade que em Portugal as manifestações foram, desta vez, menores que nos países vizinhos, congregando alguns milhares de pessoas. Porém, estes protestos não podem ser tomados em isolamento. Como acontece noutros países, há um ambiente de indignação que está a ser catalisado pela Palestina e que vai além das pessoas que saíram à rua na quinta e no sábado. Em Lisboa, quando as duas marchas cruzaram a Baixa, elas foram recebidas com aplausos pelos trabalhadores da zona e até por muitos turistas.
Embora só um setor reduzido se tenha mobilizado, ele conta com a simpatia de uma camada ampla da população, e não apenas do núcleo duro de votantes da esquerda. Essa massa só precisa de um sinal claro para ser arrastada à luta. Uma nossa camarada em Lisboa pôde discutir na manifestação da quinta-feira com duas idosas que afirmavam ser de direita, mas que estavam furiosas pela atitude do governo para com a Palestina e pela sua falta geral de “humanismo”. Em Itália, os protestos da juventude no dia 22 de setembro prepararam o terreno para as enormes mobilizações de sexta-feira e sábado, a 3 e 4 de outubro, muito maiores.
A mudança pode não ter sido (ainda) quantitativa, mas certamente houve uma transformação qualitativa. As multidões quebraram a velha tática estéril, promovida durante dois anos pelo MPPM e pela PUSP, de fazer manifestações ordeiras do ponto A ao ponto B, dispersando-se depois dos discursos cinzentos de dirigentes do PCP, da CGTP ou do Bloco de Esquerda.
Uma parcela importante das manifestações, e não só pequenos grupos de ativistas, se rebelou abertamente contra a estratégia das direções oficiais, que agora é considerada um beco sem saída. Não foi só uma revolta contra as táticas rotineiras até agora utilizadas, mas também contra programa pacifista e reformista que lhes subjaz, programa de apelos ao governo (o governo sionista de Montenegro!), ao chamado “direito internacional” e às Nações Unidas. Um setor importante da juventude e dos trabalhadores percebe que o governo e as instituições internacionais nada farão pela Palestina, à parte de gestos ocos para cobrir a sua conivência com Israel. Só a luta de massas, indo até à greve geral e ao boicote operário, pode travar o genocídio.
Portugal deve seguir o caminho de Itália: devemos elevar a luta para um patamar superior, com grandes ações de massas que culminem na greve geral e no boicote operário, onde os trabalhadores (especialmente nos transportes) se assegurem, através da ação direta, que não passe por Portugal um só insumo que possa alimentar a máquina militar israelita, como já fazem os estivadores em Itália. Precisamos de um leque de reivindicações imediatas: quebra imediata de relações diplomáticas com Israel, embargo total, etc.
Para assegurar o sucesso, este movimento deve ligar-se à luta contra as políticas pró-capitalistas de Montenegro. As políticas externas e internas dos governos estão interligadas, e o mesmo governo que ataca os direitos laborais, aumenta as propinas, subsidia os senhorios e oprime os migrantes, mantém estreitas relações diplomáticas e comerciais com Israel, contribuindo até a fornecê-lo de armas, como mostraram as recentes revelações sobre a passagem de aeronaves para Israel pela base das Lages. A intuição que a situação nacional e internacional estão unidas é o que deu tanta força ao movimento pela Palestina. O seu combustível tem sido também a própria crise capitalista em Portugal. E preciso unir a raiva pelo genocídio no Médio Oriente à indignação provocada pelos ataques e corruptelas do governo AD, golpeando-o com a força organizada da classe trabalhadora, através do boicote operário e da greve geral. A palavra de ordem da greve geral foi muito ouvida nos protestos da semana passada, sendo gritada por milhares de pessoas nas marchas.
Uma greve geral bem organizada transformaria a situação no país (como fez em Itália) mostrando quão superficial é a “viragem à direita” da sociedade. Além disso, ela colocaria a questão do poder: quem é que realmente detém as rédeas na sociedade, o governo e os capitalistas ou os trabalhadores? Somos conscientes que a direção da CGTP fará o possível para travar a greve geral e um boicote operário. Sabemos que dirão que “não existem condições”, que há “outras prioridades” como o pacote laboral. Argumentos idênticos aos dos burocratas da CGIL italiana até que foram obrigados a ir à greve. O que devemos responder é que não falta descontentamento e vontade de lutar entre os trabalhadores, a “condição” que falta é uma direção à altura que coloque a palavra de ordem da greve e a organize a sério. E, ainda sobre as “prioridades”: o que é preciso é uma greve geral pela Palestina e contra o pacote laboral.
A greve deve ser-lhe imposta aos dirigentes, como aconteceu em Itália, onde a CGIL só acabou por convocá-la após as grandes mobilizações de 22 de setembro (um ensaio de greve geral convocada por um pequeno sindicato), onde essa palavra de ordem se espalhou massivamente. Os militantes de base da CGTP devem organizar-se para impulsionar esta palavra de ordem nas fileiras dos sindicatos.
O principal problema é que a revolta dos últimos dias foi em grande medida espontânea. Falta-lhe coordenação e um plano de luta. A tarefa da juventude revolucionária é fornecer essa coordenação. Com melhor planificação e um serviço de ordem adequado, por exemplo, poderia se ter evitado a trágica eletrocução de um jovem na estação do Rossio. Devemos continuar as ações de massas e bloqueios, mas com mais e melhor coordenação, arrastando os sindicatos, espalhando a palavra de ordem da greve geral e impondo-a à direção da CGTP. Mas não chega com uma simples coordenação para ações de rua, não. Também não chega com uma série de reivindicações imediatas, embora elas sejam importantes. Devemos armar o movimento com um programa geral de transformação social, e com uma organização política. As direções do PCP e do Bloco de Esquerda estão a ser ultrapassadas pelos acontecimentos. É preciso construir uma alternativa. Essa é precisamente a tarefa que nós, no Coletivo Comunista Revolucionário, nos temos dado.
Coletivo Comunista Revolucionário Comunistas Revolucionários de Portugal