2d06231d 34f7 4062 b99b 7d6944d2b3ed

O primeiro congresso do CCR: um patamar superior

O primeiro congresso do Coletivo Comunista Revolucionário decorreu nos dias 10-11 de maio em Lisboa. Ao longo do fim de semana, uma vintena de militantes de diferentes regiões participou das diferentes sessões, assim como meia dúzia de simpatizantes e três convidados internacionais. Após dois anos de crescimento e de desenvolvimento, o congresso colocou o CCR num patamar superior, melhorando a sua organização e elevando o seu nível político.

A crise do sistema está a pulverizar as bases da “prosperidade” europeia, e, na Europa, o combalido capitalismo português representa um elo fraco. Preparam-se grandes lutas, mas só poderemos intervir decisivamente nelas se construirmos uma organização poderosa armada com as ideias e o programa adequados. O congresso representou um passo muito importante nessa direção.  

Portugal no furacão

Trotsky definiu o marxismo como a vantagem da previsão sobre o assombro. Com efeito, uma organização revolucionária precisa de uma bússola que a oriente nos acontecimentos tormentosos da nossa época: umas perspetivas claras, que identifiquem as tendências gerais na luta de classes. Mas Portugal é um pequeno país dependente, unido por milhares de fios ao sistema capitalista europeu e internacional. Para perceber os padrões no nosso país, é necessário debruçar-se primeiro sobre a situação mundial.

WhatsApp Image 2025 05 14 at 13.16.26 3 2

O capitalismo encontra-se na maior crise da sua história, embrenhado em contradições irresolúveis. O que outrora foram os seus alicerces, o livre mercado e o Estado nacional, tornaram-se agora no seu contrário: no domínio esmagador dos monopólios e na partilha do mundo por um punhado de potências imperialistas, que lutam desesperadamente por um mercado mundial saturado pela sobreprodução. As velhas ferramentas que o capitalismo usava para adiar a crise, como o crédito e a exploração de novas parcelas do mundo, hoje se transformaram no pesado fardo da dívida e no agravamento da sobreprodução, com a entrada de novas potências capitalistas ao mercado

O protecionismo, as tensões geopolíticas e as guerras por procuração são uma consequência do acirramento da crise: o “bolo” do mercado mundial torna-se mais pequeno, e, portanto, radicaliza-se a luta por dividi-lo. Este é o pano de fundo do conflito entre Washington e Pequim, como explicou Jack Halinski-Fitzpatrick, da Internacional Comunista Revolucionária. Porém, as tensões entre estas duas potências também estão determinadas pelo declínio relativo dos EUA e pelo ascenso, também relativo, da China.

Após a queda da URSS e a restauração do capitalismo na China, os EUA acumularam um poderio sem precedentes e alongaram os seus tentáculos em todos os cantos do mundo. Porém, há bastante tempo que o seu poder atingiu o seu limite. O recuo parcial da Europa e do Médio Oriente protagonizado por Trump para focar nas Américas e no Pacífico representa o reconhecimento desses limites. Ao investirem maciçamente na China, transformaram-na na fábrica do mundo e criaram um adversário poderoso. Embora a China capitalista também esteja sujeita às leis deste sistema em crise, está a verificar-se um concorrente dinâmico e vigoroso, que está a deslocar os EUA em muitos lugares do mundo. Os recuos da força mais reacionária do planeta, o imperialismo norte-americano, provoca satisfação a qualquer revolucionário genuíno. Porém, o chamado mundo “multipolar” que está a nascer não tem nada de progressista: a concorrência interimperialista só trará guerras, militarismo e protecionismo. Mas o conflito vai além dos EUA e da China. Aproveitando o choque entre estes dois titãs, outras potências menores, como a Rússia e até a Índia ou a Turquia, estão a ganhar uma autonomia relativa.

O grande perdedor desta nova situação é a Europa. A guerra da Ucrânia privou-lhe da energia barata russa, e acabou por fortalecer a Rússia, que, contornando as sanções, surge agora como uma potência imperialista poderosa e ambiciosa. Por sua vez, o recuo parcial de Trump privará a Europa do “guarda-chuvas” militar norte-americano. Ainda mais grave, a Europa, fragmentada em pequenos países, que são só anões na cena internacional, governados por patéticas burguesias nacionais, egoístas e provincianas, é incapaz de concorrer com os grandes monopólios norte-americanos e chineses. O capitalismo europeu está a ser desbancado fatalmente. Numa palavra: as bases da tradicional prosperidade europeia estão a ser pulverizadas.

O único caminho que as burguesias do continente têm para sair do buraco é atacar brutalmente a classe trabalhadora, para ganhar “competitividade” e para financiar o rearmamento e ganhar músculo próprio como força imperialista. Mas depara-se aqui com um entrave: a poderosa classe operária europeia, altamente organizada (apesar do declínio parcial dos sindicatos) e apegada às suas conquistas sociais e democráticas. Está a formar-se aqui, em definitivo, uma tormenta perfeita para a luta de classes. Para se preparar para esta ofensiva, a burguesia está a atacar os direitos democráticos por toda a parte, tanto em países governados por “liberais” (Macron, Starmer) como naqueles onde governa a “direita populista” (Meloni, Orban), mas se forem muito longe com esses ataques, arriscam provocar uma explosão.

WhatsApp Image 2025 05 14 at 13.27.03

Neste quadro, Portugal é indubitavelmente um elo fraco. Como explicou Rui Faustino na apresentação do documento de perspetivas portuguesas, aprovado unanimemente, a atrasada burguesia portuguesa não tem outro caminho que não seja a especulação e a exploração mais tosca, tornando o país numa Disneylândia e fazendo a vida impossível para milhões de pessoas da classe trabalhadora e até da classe média, afogadas pela crise do custo de vida e da habitação. Mas desta maneira a burguesia está a destruir o equilíbrio social que durante cinco décadas alicerçou a democracia burguesa no nosso país. A instabilidade política permanente, até com governos de maioria absoluta, é uma consequência das enormes tensões que se acumulam no seio da sociedade portuguesa. Como dizia José Mário Branco, sob as águas calmas há um verdadeiro vulcão de fogo, prestes a entrar em erupção.

WhatsApp Image 2025 05 14 at 13.16.26 1

Neste momento, o grande descontentamento que está a acumular-se na sociedade está a encontrar uma expressão política bastante distorcida. Após o falhanço estrepitoso da esquerda reformista na última década (a nossa “geringonça”, SYRIZA, Podemos, Corbyn, etc.), muitas pessoas, incluindo setores importantes da classe trabalhadora, estão a orientar-se para novas formações de direita que exploram a raiva que existe na sociedade de forma totalmente demagógica, procurando bodes expiatórios nos migrantes ou denunciando hipocritamente a corrupção. Porém, este fenómeno verificar-se-á temporário, como explicaram as camaradas Noemi Giardiello e Rui Cardoso. Contrariamente ao que afirma grande parte da esquerda, estes movimentos não são fascistas: não são forças de massas, com órgãos paramilitares, que organizam a pequena burguesia reacionária para a imposição de ditaduras férreas, mas movimentos extremamente heterogéneos que nem podem nem almejam impor regimes autoritários. As grandes expetativas geradas pelos Venturas, Le Pens e Farages transformar-se-ão em grandes dissabores, e esta “guinada à direita” provocará futuras “guinadas à esquerda”.

WhatsApp Image 2025 05 12 at 22.50.20 2

O principal problema, contudo, é que enquanto o sistema está a afundar, os dirigentes da esquerda reformista (incluindo o BE e o PCP no nosso país) aferram-se a ele desesperadamente. Exagerando o “perigo do fascismo”, acabam por defender o regime burguês corruto e odiado, sendo identificados aos olhos da população com o status quo. O que falta nesta equação é uma organização revolucionária que canalize o descontentamento contra o sistema capitalista. A nossa tarefa é construí-la.

Um programa revolucionário

Na segunda sessão do congresso, o CCR aprovou os seus princípios e as bases gerais do seu programa. Como explicou o camarada Arturo Rodríguez, o nosso programa é bastante modesto. Queremos que todas as pessoas tenham um teto sobre a cabeça, roupa no armário e comida quente no prato. Queremos trabalho digno e tempo para o lazer e o descanso. Queremos educação de qualidade para as crianças e os jovens, pensões para os idosos e cuidados para os doentes. Queremos acesso à cultura, à arte, ao desporto. Queremos viver sem medo da violência e da opressão, sem medo de guerras e de catástrofes naturais. Dir-nos-ão que este programa é utópico. É, sim, utópico sob o capitalismo. A humanidade tem os recursos, a tecnologia e a capacidade técnica para garantir uma vida digna a todas as pessoas. O problema é que esta riqueza está nas mãos de um punhado de parasitas. Os nossos objetivos não são apenas incompatíveis com o capitalismo, mas também com o Estado burguês. A democracia no capitalismo é apenas uma máscara para encobrir a ditadura dos ricos. Em última análise, a classe trabalhadora terá de varrer o Estado burguês. No fragor da batalha, ela criará os seus órgãos de poder operário, infinitamente mais representativos do que qualquer democracia burguesa, pois servirão os interesses da grande maioria.  

WhatsApp Image 2025 05 12 at 22.50.20 3

Contudo, a revolução socialista não cairá do céu, não acontecerá da noite para o dia. Será o culminar de uma fase ascendente de lutas, que começarão pela defesa de reivindicações concretas, económicas e políticas. Nós temos de responder a estas reivindicações e saber ligá-las à luta geral contra o sistema. O nosso programa não é uma ladainha para enganar as massas nas eleições. Também não procura escorar o decrépito sistema capitalista. É uma alavanca para a ação. O programa procura construir uma ponte entre os problemas imediatos do proletariado e a revolução.

Um novo patamar

No segundo dia do congresso, discutimos as nossas tarefas concretas como revolucionários. O debate organizativo não está desligado da discussão das perspetivas: pelo contrário, a principal conclusão da nossa análise da situação é que o principal ingrediente que falta para a revolução é um partido revolucionário de massas. Nós ainda estamos muito longe de ocupar esse espaço: no melhor dos casos, somos um primeiro embrião do futuro partido comunista revolucionário. É por isso que devemos trabalhar com certa urgência.

WhatsApp Image 2025 05 14 at 13.25.11

Nos últimos dois anos, passamos de ser um pequeno círculo de camaradas, o Coletivo Marxista (de facto, um clube de discussão), a uma organização muito mais numerosa e ativa, criando duas células em Lisboa e uma em Coimbra e mudando o nosso nome para Coletivo Comunista Revolucionário. O crescimento também aumentou a nossa capacidade de intervenção, lançando o nosso jornal em janeiro de 2024 e intervindo em inúmeras lutas e mobilizações. Apesar destes sucessos, a nossa estrutura e métodos ainda refletem o ambiente informal do antigo Coletivo Marxista. Portanto, a principal tarefa colocada pela resolução organizativa aprovada no congresso é a profissionalização. Precisamos de células mais disciplinadas e coesas, onde haja uma divisão do trabalho eficiente e onde todos os camaradas tenham responsabilidades e se sintam uma parte indispensável do trabalho. Como explicou Jack Halinski-Fitzpatrick, uma das virtudes de Lenine era fazer com que todos os bolcheviques, até os militantes mais modestos e anónimos, se sentissem uma porca necessária na engrenagem. Mas a célula não é uma simples assembleia, é um órgão vivo, onde os camaradas devem formar-se e crescer politicamente, afiando e atualizando constantemente a sua compreensão das ideias e das perspetivas e ganhando energia e inspiração. Coordenando o trabalho das células, precisamos de uma direção nacional formal, que não só execute as decisões do congresso, mas que inspire, entusiasme e oriente. Foi por isso que o congresso elegeu um comité central e um comité executivo. Foi por isso também que aprovamos uns estatutos, para acabar com a informalidade e trabalhar com regras claras.   

O futuro é nosso!

Aplicando estas decisões, traçaremos o caminho para o desenvolvimento ulterior do Coletivo, atingindo o nosso objetivo imediato: alcançarmos os 50 camaradas, o que nos dará uma capacidade de intervenção muito maior. Sobra-nos o outro ingrediente para atingir esta meta: o entusiasmo. Este entusiasmo refletiu-se na coleta do congresso, onde angariamos 1500€, uma quantidade extraordinária para uma organização nova, composta principalmente por estudantes e jovens precários, num país pobre como Portugal. A empolgação dos camaradas marcou o teor de todo o congresso, também na festa do sábado à noite com os companheiros da Groove Youth, onde as discussões políticas continuaram num ambiente mais informal e descontraído. Esse nosso entusiasmo nasce das nossas ideias revolucionárias e da compreensão de que a nossa militância é necessária.  

WhatsApp Image 2025 05 14 at 13.16.26

Ainda somos uma organização pequena. Não temos muitos recursos nem o aparato dos grandes partidos. Mas por definição os revolucionários sempre serão uma minoria no início. Ser revolucionário significa mesmo isso: compreender as necessidades da época antes do que o resto. Uma pequena organização revolucionária, porém, pode desenvolver-se rapidamente se as condições forem adequadas e se tiver uma linha política correta. Estamos a entrar num período histórico convulso, onde teremos muitas oportunidades. Seremos postos à prova a nível individual e coletivo. A nossa organização exige e exigirá muito dos seus militantes. Em troca, dar-lhes-á a satisfação de entrarem no coração da nossa época. De não serem observadores passivos, mas agentes ativos da história. De investirem a sua pequena energia vital na mais bela das causas. Dar-lhes-á uma grande ideia pela que bater-se. E nada é tão poderoso como uma ideia cujo tempo chegou.   

Spread the love

About Arturo Rodriguez

Check Also

PERSPETIVAS NACIONAIS

Perspetivas nacionais: Da estagnação à crise, da crise à revolução

A crise sistémica do capitalismo As “perspetivas”, para qualquer organização política, são uma bússola para …

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This website uses cookies. By continuing to use this site, you accept our use of cookies. 

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial