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Há muito tempo que o capitalismo esgotou a sua função histórica e se tornou num entrave para o avanço da humanidade. Na atualidade, o seu declínio aprofunda-se a passos largos, gerando sofrimento, violência e injustiça por toda a parte. Mas então por que é que ainda continua a existir? Não há situações totalmente desesperadas para o capitalismo e este poderá sempre temporariamente superar as suas contradições à custa da classe trabalhadora. Ele não cairá sozinho. Deve ser derrubado pela ação consciente do proletariado.
E a classe operária está a mexer. A sua raiva e descontentamento são o pano de fundo para a instabilidade política que abala inúmeros países. Na última década os trabalhadores e a juventude travaram grandes batalhas: durante a crise da dívida no sul da Europa; os estallidos no Chile, no Equador e na Colômbia e a resistência contra os golpes da Bolívia e Peru; a revolução no Sudão; a luta dos coletes amarelos em França; os protestos históricos de Black Lives Matter nos EUA; e, ainda mais recentemente as revoluções no Bangladesh e no Sri Lanka e o grande movimento em solidariedade com a Palestina, para enumerar só alguns exemplos. Mas o proletariado até agora não conseguiu impor-se decisivamente em lado nenhum. No melhor dos casos, estas lutas levaram ao poder governos reformistas, que, incapazes de romper com o capitalismo, acabaram por gerir a sua crise e desmoralizar a sua base social. Não faltou combatividade e mobilização. O que faltou e falta é o fator subjetivo: a presença de uma direção revolucionária enraizada na classe trabalhadora. Hoje, como há quase um século, podemos dizer que a crise da humanidade se resume na crise da direção do proletariado.
Ao contrário da burguesia revolucionária dos séculos XVII e XVIII, que se lançou à conquista do poder político quando detinha já de facto o poder económico, o proletariado é uma classe despossuída que terá de transformar a sociedade pela raiz. A sua revolução deve, portanto, ser um ato consciente, guiado por um programa e umas perspectivas claras. Não só isso, o proletariado é uma classe explorada, que acarreta o pesado fardo da exploração capitalista quotidiana, um fardo que, em tempos normais, supõe um grande obstáculo à sua organização. A classe trabalhadora também é heterogênea, com camadas diferentes com graus díspares de consciência, onde alguns setores tiram conclusões revolucionárias antes do que o resto. É por isso que a organização política é necessária ao proletariado, começando pela sua vanguarda, pelo setor mais combativo e decidido. Não se trata aqui de grandes sindicatos ou frentes que abranjam o conjunto da classe para velar pelos seus interesses quotidianos, mas de uma organização política, que unifique a vanguarda na luta por abater o sistema. Só enquadrada numa organização poderá a vanguarda generalizar a sua experiência presente e passada, traduzir os seus interesses num programa revolucionário, ganhar a maioria da classe a esse programa e dirigi-la à tomada do poder.
As bases gerais desse programa já existem há muito tempo: são as ideias do marxismo, que é a expressão teórica da memória da classe trabalhadora, de todas as suas lutas e experiências. Mas as forças do marxismo genuíno estiveram dramaticamente isoladas durante quase um século. Mas, as forças do marxismo genuíno estiveram dramaticamente isoladas durante quase um século, como consequência da derrota da revolução europeia no período entre as duas guerras mundiais e da ascensão do estalinismo na União Soviética.
O estalinismo contribuiu não só para a derrota da revolução na Europa, como levou a cabo um trabalho sistemático de exterminação física dos revolucionários marxistas e de deturpação da memória e tradições revolucionárias do proletariado.
O desfecho da Segunda Guerra Mundial, com a emergência de um Imperialismo, os EUA, hegemónico, a fragilidade das forças da IV Internacional e o reforço do aparelho estalinista permitiu quase trinta anos de desenvolvimento capitalista nos países imperialistas mais avançados.
Este período de prosperidade favoreceu o ressurgimento da social-democracia, que pôde, pela primeira vez desde o eclodir da I guerra mundial, aplicar as suas reformas, ajudando, com elas, à pacificação social na Europa.
Os estalinistas em particular, tendo chamado para si os louros da vitória da União Soviética e da derrota o fascismo em 1945, ampliando o seu poder até Berlim usufruíram aos olhos dos trabalhadores da Europa ocidental de uma enorme autoridade, que lhes serviu para traírem e descarrilarem as situações revolucionárias em Itália, França e Grécia e um pouco por toda a Europa.
A IV Internacional, fundada em 1938, mas, rapidamente desprovida de uma direção forte e com autoridade, devido ao assassinato de Trotsky em 1940 e ao eclodir da guerra na Europa com a subsequente eliminação de quadros tanto às mãos dos nazis como dos estalinistas, ficou isolada e desnorteada pela situação do pós-guerra.
Com uma avaliação totalmente equivocada do período, agarrando-se à letra do Programa de Transição (até hoje a corrente Lambertista considera que não houve crescimento das forças produtivas desde 1938!) considerava impossível qualquer estabilização social e política na Europa.
Uma vez que a realidade chocava diretamente com as suas análises e previsões, na procura de atalhos, cometeu todo o tipo de erros, ora sectários, ora oportunistas, e foi-se dividindo em inúmeras capelas e capelinhas.
Só um punhado de camaradas à volta de Ted Grant mantiveram firmes os princípios do marxismo em condições extremamente difíceis.
O colapso da União Soviética e seus satélites em 1989-1991 isolou o marxismo ainda mais, facilitando, uma ofensiva ideológica (o “fim da história”) sem precedentes por parte da burguesia.
Por outro lado, a queda do bloco soviético e também a “longa marcha” da China para o capitalismo, alargaram de uma forma sem precedentes o mercado mundial, incluindo espetacularmente o mercado de trabalho, isto é a dimensão da força de trabalho disponível para ser explorada pelo capital, produzindo dois balões de oxigénio que permitiram ao sistema capitalista, sob a hegemonia dos EUA, cerca vinte anos de crescimento mais ou menos estável.
Hoje a situação é bem diferente. O capitalismo vive uma crise orgânica e todas as suas instituições estão a desacreditar-se. Alastra a raiva e o questionamento da ordem estabelecida. As organizações reformistas e estalinistas do passado agora são só sombras do que foram outrora (se é que ainda existem), incapazes já de domesticar a classe trabalhadora. A estrada está a abrir-se. A maré está a mudar, e por primeira vez em muito tempo começamos a nadar com a corrente. Cabe-nos dizer, parafraseando a canção: aprende a nadar, companheiro, que a maré se vai levantar!
Abrir-se-ão grandes oportunidades para a Internacional Comunista Revolucionária. Mas só poderemos aproveitá-las se estivermos prontos, com milhares de camaradas bem-organizados em grandes secções nacionais nos principais países, e um centro internacional forte. Porém, a força numérica e o aparelho por si só não são suficientes. É preciso construir sobre bases políticas adequadas. Só com alicerces políticos sólidos é que a organização poderá desenvolver-se. Apesar dos nossos recentes sucessos, tanto em Portugal como internacionalmente, somos ainda uma minoria muito pequena. A nossa existência não é justificada pelo nosso aparelho ou pela nossa força numérica. Justificam-na as nossas ideias, o nosso programa, os nossos métodos e as nossas tradições.
As nossas ideias
Para transformar o mundo é preciso primeiro compreendê-lo. Por isso insistimos tanto na formação política dos nossos militantes. Em geral, não se pode compreender realmente a sociedade com as teorias que se ensinam nas faculdades. O objetivo das ciências sociais burguesas não é lançar luz sobre os mecanismos que governam a história, mas deturpá-los para esconder o caráter explorador do capitalismo. Precisamos das nossas próprias ideias revolucionárias. Felizmente, o nosso arsenal teórico está enriquecido por dois séculos de desenvolvimento do pensamento socialista.
A visão do mundo do marxismo é materialista. Para nós há só uma única realidade material, uma única natureza. O mundo das ideias é um reflexo do mundo material que nos rodeia e que percebemos através dos nossos sentidos. A natureza tem as suas leis, que nós humanos podemos compreender através da observação e da experimentação prática, e usá-las no nosso benefício. Fazemos parte da natureza, nela vivemos, dela dependemos e ela nos condiciona. Para viver, os humanos têm de transformar a natureza para obter os seus meios de subsistência. Portanto, antes de mais, antes de as pessoas poderem fazer arte, filosofar, ou politicar, é preciso alimentarem-se, vestirem-se e resguardarem-se. Na luta pela sobrevivência, as pessoas dividem-se o trabalho, entrando em determinadas relações de produção, consoante o nível técnico de cada época. Essas relações de produção alicerçam toda a superestrutura social. A chave para compreender a vida de qualquer sociedade, a sua cultura, a sua política, a sua arte, o seu pensamento, está, portanto, na sua base económica. A evolução das forças produtivas é a mola propulsora da história.
Todavia, essa evolução não é linear ou mecânica. Pelo contrário, ela é desigual, convulsa e violenta. Marx e Engels abraçaram o materialismo, mas o purgaram dos seus preconceitos mecanicistas, ligando-o à dialética, uma forma de pensamento até então monopolizada quase exclusivamente pelos idealistas. As conclusões dessa união entre o materialismo e a dialética foram revolucionárias.
A dialética ensina-nos que a natureza está em constante transformação. “Todo o mundo é composto de mudança”. Ora, essas transformações não acontecem ao acaso, elas têm as suas leis e decorrem dentro de certas margens. Qualquer fenômeno tende à rigidez, adotando formas específicas que são relativamente resistentes à mudança. Pequenas mudanças imperceptíveis continuam a ocorrer sob a superfície, sem geralmente romper a casca externa do objeto. Mas vai surgindo uma contradição no seio do fenómeno dado. A forma petrificada deixa de harmonizar com o novo conteúdo. Chega uma altura em que a acumulação de mudanças quantitativas resulta numa grande transformação qualitativa. O conteúdo rebela-se contra a forma que o asfixiava, adotando uma nova configuração mais harmoniosa com a sua essência.
Esse é o padrão geral do desenvolvimento. Também nas sociedades. Certas relações de produção, com a sua superestrutura política e ideológica, podem convir num dado patamar das forças produtivas, mas transformar-se noutra fase num grilhão à sua evolução posterior. Então devem ser varridas, geralmente pela violência, através da luta de classes, pois a velha sociedade que resiste a morrer e a nova sociedade que pugna por nascer são encarnadas por forças sociais com interesses determinados, pela antiga classe reacionária e a nova classe revolucionária. Assim aconteceu com o capitalismo, surgido no seio da velha sociedade feudal com o desenvolvimento do comércio, do artesanato e das cidades no final da Idade Média. O feudalismo tornou-se num travão, asfixiando o comércio e a indústria com os seus particularismos, provincialismos e privilégios. A burguesia derrubou o feudalismo, ceifou os privilégios dos aristocratas, da igreja, dos monarcas, e ceifou-lhes também o pescoço. Unificou os pequenos reinos, principados e condados medievais em grandes unidades nacionais.
O capitalismo foi um sistema revolucionário na sua origem, apesar da sua brutalidade e dos seus inúmeros crimes. Realizou a revolução industrial e a revolução científica, criou mercados nacionais e mundiais e revolucionou as forças produtivas. Mas as suas molas propulsoras, o livre mercado e o Estado nacional, tornaram-se gradualmente no seu contrário. A concorrência levou à concentração económica, e os grandes oligopólios e monopólios varreram a pequena propriedade. O crescimento explosivo da indústria, chicoteada pela exploração selvagem dos trabalhadores, fez com que a produção ultrapassasse o consumo, criando crises devastadoras de sobreprodução. O Estado nacional, que inicialmente ampliou a área de operações da burguesia, acabou tornando-se estreito demais para as poderosas forças produtivas criadas pelo capitalismo.
Os burgueses encontraram formas de contornar estes obstáculos, mas sempre ao custo de gerar novas e mais devastadoras contradições. Esticaram artificialmente o mercado através do crédito e outros truques financeiros, mas esses empréstimos tornaram-se posteriormente em dívidas que deviam ser pagas, com as suas correspondentes taxas de juro. Longe de aliviar o fardo do trabalho, os avanços técnicos foram usados para intensificar a exploração da classe trabalhadora, e saturando o mercado ainda mais. As burguesias mais fortes ultrapassaram as fronteiras nacionais, lançando-se à conquista do mercado mundial através do imperialismo, da pilhagem à escala planetária. Mas o próprio mercado mundial verificou-se demasiado estreito. A luta pela sua conquista foi acirrando-se, levando à formação de blocos imperialistas hostis, do protecionismo, das guerras. Ou seja, levou ao parcelamento do mercado mundial. Hoje todas estas contradições atingiram o seu paroxismo, com a nova e terrível achega das alterações climáticas. A destruição do ambiente não é um problema isolado: reflete a incapacidade do capitalismo de usar racionalmente a tecnologia, aplicando-a de forma planificada à escala internacional, consoante as necessidades da humanidade e da natureza. Em definitivo, as forças produtivas rebelam-se contra as relações de produção.
O capitalismo há tempos que cumpriu a sua missão histórica. O caráter social e colaborativo da indústria moderna entra em conflito com o seu aproveitamento privado pela burguesia. Deve ser expropriada. As enormes forças produtivas existentes devem ser postas sob o controlo da maioria, através da sua planificação democrática. Felizmente, o capitalismo criou o seu próprio coveiro: a classe trabalhadora, a classe que tudo produz, mas que nada possui, uma classe totalmente explorada, e que, portanto, não tem interesse em explorar ninguém, e cuja libertação será também a libertação da humanidade toda.
O desenvolvimento do capitalismo supõe o desenvolvimento do proletariado. Apesar dos cantos de sereia sobre o “desaparecimento de classe operária”, esta nunca foi tão forte como hoje. O que se verificou nas últimas décadas foi precisamente proletarização das camadas intermédias, da pequena burguesia e do campesinato. A classe trabalhadora tem um enorme poder latente, devido à sua concentração, ao seu peso numérico e ao facto de ter as alavancas da economia nas suas mãos, literalmente. Sem a sua gentil permissão, nenhuma roda gira, nenhuma lâmpada brilha. Devido ao caráter coletivo do seu trabalho, que depende da cooperação estreita de milhões de pessoas no mundo todo, ela encarna a futura organização socialista e internacional da economia. Contudo, a sua força permanecerá latente se ela não se organizar, se ela não agir, se ela não contar com um programa, com umas perspectivas e com uma visão. Como dizia Marx, sem organização, os trabalhadores são apenas matéria-prima para a exploração. A nossa tarefa é fornecer-lhe esse programa.
O programa comunista
O nosso programa é bastante modesto. Queremos que todas as pessoas tenham um teto sobre a cabeça, roupa no armário e comida quente no prato. Queremos trabalho digno e tempo para o lazer e o descanso. Queremos educação de qualidade para as crianças e os jovens, pensões para os idosos e cuidados para os doentes. Queremos acesso à cultura, à arte, ao desporto. Queremos viver sem medo da violência e da opressão, sem medo de guerras e de catástrofes naturais. Dir-nos-ão que este programa é utópico. É, sim, utópico sob o capitalismo. A humanidade tem os recursos, a tecnologia e a capacidade técnica para garantir uma vida digna a todas as pessoas. O problema é que esta riqueza está nas mãos de um punhado de parasitas. Os nossos objetivos não são apenas incompatíveis com o capitalismo, mas também com o Estado burguês. A democracia no capitalismo é apenas uma máscara para encobrir a ditadura dos ricos. Em última análise, a classe trabalhadora terá de varrer o Estado burguês. No fragor da batalha, ela criará os seus órgãos de poder operário, infinitamente mais representativos do que qualquer democracia burguesa, pois servirão os interesses da grande maioria.
Contudo, a revolução socialista não cairá do céu, não acontecerá da noite para o dia. Será o culminar de uma fase ascendente de lutas, que começarão pela defesa de reivindicações concretas, económicas e políticas. Nós temos de responder a estas reivindicações e saber ligá-las à luta geral contra o sistema. Devemos assumir uma posição sobre problemas concretos. Eis aqui, de forma muito resumida, as nossas posições:
Pelo trabalho digno
O CCR propõe:
- Aumento imediato dos níveis de vida dos trabalhadores: salário mínimo de 1.500 euros;
- Aumento automático dos salários em conformidade com a inflação (escala móvel salarial); Contra a exploração e o desemprego
- Divisão do trabalho entre todos com a Redução do horário laboral para 32 horas semanais, sem perda de salário;
- Salário garantido àqueles que não possam trabalhar igual a 80% do salário-mínimo;
- Garantia de emprego pública – abolição do desemprego;
- Controlo de preços para garantia de acessibilidade aos bens essenciais;
- Nacionalização e gestão democrática dos supermercados;
- Aumento da progressividade do IRS e diminuição do imposto para a maioria.
- Abolição dos contratos precários, Supressão das empresas de trabalho temporário e sua substituição por centros públicos de emprego;
- Regularização imediata dos falsos prestadores de serviços (falsos recibos verdes) e sanções aos empregadores responsáveis;
- Reforma após 35 anos de trabalho ou aos 60 anos de idade. Pensão igual a 80% do salário final e em qualquer caso não inferior ao salário-mínimo;
- Fim de subsídios públicos aos grandes capitalistas;
- Nacionalização sem indemnização das empresas que encerrem ou despeçam trabalhadores;
- A produção deve ser garantida pelo Estado e gerida pelos trabalhadores.
- Nacionalização das grandes empresas sob controlo operário.
Libertar as forças da inovação e do desenvolvimento através da socialização
Os limites da produção capitalista tornaram-se cada vez mais evidentes. A burocratização do Estado, a fragmentação imposta pelas fronteiras nacionais e pelas disparidades legais, bem como a obsessão pela acumulação de capital em detrimento do investimento produtivo, constituem barreiras ao avanço das forças produtivas. Estas limitações impedem a superação da produção de mercadorias e travam a plena realização do potencial humano. Mesmo nesta era de progresso tecnológico sem precedentes — marcada pela industrialização e pela ascensão da inteligência artificial — é visível como as estruturas capitalistas continuam a restringir o desenvolvimento. As leis de copyright servem cada vez mais para restringir a inovação, transformando o conhecimento num bem privado em vez de um instrumento coletivo para o progresso.
Para libertar o potencial transformador de tecnologias como a inteligência artificial, é necessário abandonar a sua utilização meramente para maximização de lucros ou fins bélicos. Devemos antes empregá-las como ferramentas ao serviço do planeamento económico democrático, orientado para a satisfação das necessidades humanas, a sustentabilidade e a prosperidade coletiva.
O CCR propõe:
- Promoção de programas de requalificação profissional com subsidios financiados pelo estado com direito a trabalho permanente;
- Abolição dos direitos de autor para as grandes empresas;
- Reforma dos direitos de autor para durar 10 anos para pequenos escritores e criadores;
- Proibição do uso da inteligência artificial para controlo e repressão da classe trabalhadora, incluindo fins belicistas;
- Plano extroardinário de revitalização e investimento estatal na arte e cultura progressista;
- Integração e planeamento das empresas estatais através de sistemas tecnológicos de controlo com recurso a inteligência artificial.
Casas para viver, não para especular
A emergência habitacional continua a agravar-se, sobretudo em Lisboa e no Porto. Milhares de famílias vivem em casas sobrelotadas, os jovens não conseguem ter uma casa para viver, dispara-se o número de sem-abrigo, mas os senhorios e os grandes investidores obtêm lucros medonhos especulando e arrendando alojamentos locais. Constrói-se, sim, e Lisboa e Porto encheram-se de guindastes nos últimos anos, mas só se constroem casas para os ricos. Milhares de prédios estão devolutos, alvo de operações especulativas ou da incompetência do Estado burguês. O aumento das taxas de juro está a gerar lucros sem precedentes à banca, mas afoga os hipotecários. Enquanto o povo empobrece, os bancos, que tem recebido cerca de 23,8 mil milhões de euros em ajudas públicas desde 2007, aumentaram os seus lucros em 58%.
O CCR propõe:
- Limite às rendas equivalente ao 15% do rendimento do arrendatário;
- Revogação da “lei dos despejos”, proibição dos despejos;
- Plano extraordinário de construção e renovação de habitações públicas;
- Abolição do alojamento local;
- Expropriação de prédios devolutos;
- Expropriação dos bancos, fundos de investimento e monopólios imobiliários, sem compensação;
- Planificação democrática da habitação pública através de concelhos de moradores e trabalhadores.
Saúde gratuita e de qualidade
O Serviço Nacional de Saúde, uma conquista histórica dos trabalhadores portugueses, está à beira do colapso. A especulação sobre a saúde privada gera enormes lucros sobre o que deveria ser um direito de todos. Quem tem dinheiro consegue uma consulta no dia seguinte, enquanto milhares de pessoas desistem do tratamento devido às listas de espera.
- Nacionalização dos estabelecimentos de saúde privados e incorporação plena dos seus trabalhadores no sistema público.
- Reforço prioritário dos serviços mais afetados pela austeridade, como a obstetrícia;
- Plano extraordinário de contratação de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde;
- Financiamento adequado da saúde pública;
Ensino público, gratuito e secular: pela eliminação do capitalismo na educação
O direito à educação só existe em Portugal na letra-morta da constituição. Desde a introdução das propinas, elas não deixaram de subir. Hoje, o custo dos estudos e da vida estudantil fazem com que a educação universitária esteja só garantida aos ricos. A polícia entra impunemente nas faculdades a bater nos estudantes solidários com a Palestina ou do movimento climático.
O CCR propõe:
- A educação deve ser secular: proibição de ensino religioso e fim da concordata;
- Fim à mercantilização do ensino: expropriação das escolas e faculdades privadas, eliminação das parcerias publico-privadas;
- Abolição de quaisquer propinas e outros gastos associados (livros, materiais escolares etc.);
- Serviços gratuitos garantidos (cantina, transportes, alojamento estudantil);
- Bolsas adequadas a quem as necessite;
- Plano extraordinário para construção e renovação de edifícios escolares;
- Eliminação dos estágios exploradores;
- Fim dos limites arbitrários de vagas nas universidades;
- A educação não acaba com a graduação: acesso garantido à cultura e ao desporto para a classe trabalhadora;
- Fim do sobretrabalho docente, redução de horas extraordinárias e atividades não letivas;
- Proibição do ensino doméstico;
- Polícia fora das universidades e escolas;
- Gestão democrática das escolas pelos alunos e professores.
Pela libertação diante qualquer opressão
Apesar dos direitos conquistados no PREC, a vida da mulher em Portugal é cada vez mais difícil. Cinquenta anos de democracia burguesa e desenvolvimento capitalista não resolveram a opressão com base no género e as suas múltiplas expressões. Exercer o direito ao aborto em Portugal continua a ser um desafio, com obstáculos legais e institucionais que dificultam o acesso ao serviço. Com mais de 30% dos hospitais do SNS recusando a prática devido à objeção de consciência, o acesso ao aborto é limitado, sendo mais facilmente acessível para as mulheres ricas. Devido à falta de serviços públicos, o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos e dos idosos recai sobre as famílias e, por conseguinte, na nossa sociedade, quase sempre sobre as mulheres. E, entretanto, a discriminação mais odiosa contra as pessoas LGBTQIA+ continua. Não à discriminação entre sexos.
A classe trabalhadora é diversa; ela inclui homens e mulheres, brancos e negros, portugueses e migrantes, pessoas de diferente orientação sexual. A burguesia aproveita estas diferenças para dividir o proletariado. Para levar a cabo a revolução é necessário unificar a classe. Mas só isso não significa a supressão das reivindicações peculiares dos diferentes grupos que conformam o proletariado. A verdadeira unidade do proletariado só será possível com a inclusão das reivindicações de todos os grupos oprimidos, combatendo qualquer forma de discriminação nas suas fileiras. Contra o racismo, a opressão com base no género e a LGBTQIA+fobia no movimento operário e na esquerda. É nosso dever também explicar como estas questões oprimem a classe trabalhadora como um todo e a sua origem no sistema económico capitalista.
Recusamos também as políticas identitárias que abordam a opressão de forma fragmentada, contribuindo para dividir e subdividir os oprimidos sem oferecer uma saída real aos seus problemas. Baseadas no idealismo subjetivo mais tosco, estas ideias têm sido espalhadas por intelectuais pequeno-burgueses e aceites de forma entusiasta pelos reformistas, que compensam a sua falta de respostas aos problemas reais com todo género de mudanças simbólicas e linguísticas, que acabam por afastar amplos setores da classe trabalhadora e fazem-lhe o jogo a extrema-direita. Combate ideológico às teorias idealistas e pós-modernas, antitéticas ao materialismo dialético. A luta contra a opressão é uma luta de classes.
O CCR propõe:
- Salário igual para trabalho igual;
- Abolição da objecção de consciência no aborto;
- Garantir creches públicas para todas as crianças;
- Cuidados públicos de qualidade aos idosos em todo o território;
- Socialização do trabalho doméstico;
- Não à discriminação às pessoas LGBTQIA+;
- Pelo fim de humilhações e entraves burocráticos contra pessoas trans. Fora a igreja dos nossos quartos, das nossas casas, das nossas escolas e hospitais. Fim dos apoios públicos e borlas fiscais à igreja.
Trabalhadores do mundo, uni-vos!
Calcula-se que há um milhão de migrantes a trabalhar em Portugal. Representam, portanto, um setor crucial da classe trabalhadora do nosso país, mas é um setor sem voz e sem direitos. Para manter o seu poder, a burguesia tenta dividir-nos atiçando o racismo. A xenofobia e o racismo não são utilizados apenas pelo Chega, mas também, de forma mais “respeitável”, pela AD e até pelo PS, enquanto os partidos de esquerda (BE, Livre, PCP) se opõem à xenofobia geralmente em termos moralistas. Nós combatemos o racismo e a xenofobia, não por motivos morais, mas porque temos os mesmos interesses que o proletariado migrante. São os nossos irmãos e irmãs de classe. É uma necessidade imperiosa unir a classe trabalhadora “nativa” e migrante na defesa dos seus interesses comuns.
O CCR propõe:
- Abolição das restrições à migração;
- Proibição da discriminação salarial entre trabalhadores imigrantes e nativos;
- Pela Igualdade de direitos laborais, civis e políticos para todos os trabalhadores;
- Cidadania para os trabalhadores que a solicitem após três anos no país;
- Ensino da língua portuguesa e de direitos cidadãos e laborais organizado pelos sindicatos.
Pelos direitos democráticos, contra a repressão
Embora sejam insuficientes, não abdicamos dos poucos direitos sociais e democráticos que ainda subsistem. A crise do capitalismo implica também a crise da democracia burguesa. Para poder atacar os direitos sociais, a burguesia tem de atacar também os direitos democráticos. Ataca o direito ao protesto, à greve, à liberdade de expressão, à convocação de referendos; reforça e alicia os órgãos repressivos; tira poderes aos parlamentos e às instituições eleitas em geral (já por si pouco representativos) concentrando-os nas mãos do executivo, da presidência e do judicial; e até ataca as eleições livres (veja-se o caso recente da Roménia). Aumenta a impunidade dos grupos fascistas que se lançam contra os migrantes, contra a comunidade LGBTQIA+ e contra a esquerda. Rejeitamos todos estes ataques. Pela liberdade de protesto e à livre expressão.
- Pela liberdade de protesto e à livre expressão;
- Abolição dos corpos de intervenção da PSP;
- Saneamento de fascistas e da extrema-direita dos órgãos repressivos, supervisionada por organizações comunitárias;
- Não às razias da polícia. Polícia fora dos bairros. Autodefesa contra os grupos fascistas sob a direção das organizações operárias;
- A liberdade de imprensa não existe enquanto os mídia forem controlados pelo grande capital: expropriação dos monopólios detentores dos mídia, controlo proporcional da imprensa pela classe trabalhadora.
Paz entre povos, guerra entre classes
Assistimos a uma proliferação de guerras sem fim à vista. Estas guerras são o resultado da crise geral do sistema, que leva as classes dominantes das grandes potências a uma política mais agressiva de conquista de mercados, esferas de influência e matérias-primas. Para os capitalistas, a guerra é uma oportunidade lucrativa, mas as pessoas comuns só têm a perder: são enviadas para morrer na linha de frente, morrem sob as bombas e, mesmo quando não são diretamente atingidas, pagam os custos com inflação e austeridade. Contra todas as guerras imperialistas. Sempre do lado dos oprimidos.
- Do lado dos povos oprimidos: Solidariedade com os palestinianos e os curdos, contra os governos que promovem e apoiam as guerras;
- Fim das relações económicas e diplomáticas com Israel;
- Fim ao fornecimento militar à clique oligárquica que governa a Ucrânia: será o povo russo que derrubará o ditador-Bonaparte Putin;
- Corte nas despesas militares: o dinheiro deve ser gasto em escolas e hospitais;
- Expropriação da indústria militar e sua conversão parcial para fins civis;
- Portugal fora da NATO, encerramento de bases da NATO em território português;
- Fim das “missões” portuguesas em África e Timor-Leste;
- O protecionismo é uma consequência do declínio do capitalismo que só agravará a crise; mas o livre-comércio, que tanto sofrimento tem provocado, também não oferece nenhuma solução: só um programa socialista e internacionalista oferece uma saída do pesadelo capitalista;
- Fim à união burguesa dos estados imperialistas da Europa: saída de Portugal da União Europeia sobre bases socialistas;
- Por uma união genuína internacional dos trabalhadores europeus e do mundo: pela construção dos estados unidos socialistas da Europa associado a uma federação socialista mundial.
Derrubar o capitalismo, salvar o planeta
As imagens de Valência são uma amostra dramática do que nos depara o futuro. Todos os objetivos para conter as alterações climáticas foram abandonados. Os governos burgueses só nos oferecem palavras vazias enquanto a destruição do planeta se intensifica. Existe a tecnologia para lidar eficazmente com as alterações climáticas, mas a burguesia é incapaz de aproveitá-la. Antepõe os seus lucros ao futuro da humanidade. Para travar a catástrofe ambiental são essenciais a planificação a longo prazo e a coordenação internacional. Ambos os requisitos são incompatíveis com o capitalismo, onde a única prioridade é o lucro ao curto prazo e onde as diferentes potências estão embrenhadas numa luta à morte.
- Expropriação das grandes empresas energéticas e das indústrias poluentes;
- Plano de reconversão energética; não às grandes obras destrutivas;
- Planificação urbana racional com ênfase no transporte público e nos espaços verdes;
- Planificação territorial que priorize a concentração em núcleos urbanos, modelo que facilita a prestação de serviços públicos e estimula as relações sociais em comum entre pessoas. Priorização e estímulo do transporte ferroviário e a sua electrificação, a escala urbana (metro e elétrico/tram) —em detrimento do carro, ou regional e nacional (comboio) —em detrimento do avião. Garantia do controlo público da infraestrutura e operação, seja de passageiros ou de mercadorias, dos modos de transporte coletivos;
- Plano de reorganização hidrogeológica para a segurança do território – tudo deve ser feito sob o controlo dos trabalhadores e dos habitantes das zonas afetadas.
Derrubar o capitalismo, cumprir Abril
Há 50 anos a ditadura ruía como um castelo de cartas. Contra o conselho dos militares, que pretendiam uma mudança cautelosa de regime, o povo tomou as ruas e transformou o golpe numa revolução. Todas as conquistas políticas, económicas e sociais que ainda vamos usufruindo têm a sua origem nessa revolução e são resultado da luta da classe trabalhadora. Mas a revolução não foi levada até ao fim e, por isso, os mesmos capitalistas que beneficiaram de décadas de fascismo, são os mesmos que beneficiam agora sob esta democracia burguesa apodrecida. Todas as promessas e tentativas de reformar o país fracassaram. A Terceira República portuguesa é um Estado burguês. O palavrório esquerdista da constituição é só um engodo para confundir os trabalhadores. O verdadeiro caráter de classe do Estado português tornar-se-á mais evidente à medida que a luta de classes se acirre. Contra este regime apodrecido, Portugal precisa de uma nova revolução. Que leve a luta até ao fim. Que derrube o capitalismo. Que cumpra Abril.
Os nossos métodos
Não chega com um programa revolucionário. O verdadeiro desafio é termos os métodos corretos para levá-lo à classe trabalhadora e conectá-lo com as suas reivindicações concretas. O nosso programa não é uma ladainha para enganar as massas nas eleições. Também não procura escorar o decrépito sistema capitalista. É uma alavanca para a ação. O programa procura construir uma ponte entre os problemas imediatos do proletariado e a revolução.
Levamos as nossas propostas à classe trabalhadora através da nossa propaganda e da nossa agitação. Nas diferentes lutas, intervimos com as nossas palavras de ordem, que não são frases demagógicas, provocadoras ou poéticas, mas têm uma função política crucial ao conectarem as nossas posições gerais com os problemas concretos em questão. Na nossa imprensa, apresentamos os nossos pontos de vista de forma mais desenvolvida. Imprensa digital, sim, mas também física, através do nosso jornal e das nossas publicações. Muito se tem falado sobre a vigência de um jornal físico no século XXI. Sem abdicar da esfera virtual, mantemos o nosso jornal como uma ferramenta essencial. Levamo-lo às manifestações, mas também o vendemos nos bairros, nos lugares de trabalho e nas faculdades, aproveitando esses ensejos para dialogar com a classe operária e a juventude e auscultá-la. O jornal não é apenas um instrumento de agitação, mas também um organizador coletivo. A sua elaboração e distribuição põe a organização toda a trabalhar, obriga-a a discutir a situação política, a escrever artigos, a explicar o seu conteúdo.
A propaganda é importante, mas ela tem os seus limites. Em geral, a classe trabalhadora não aprende através dos livros. Não é lendo Marx e Lenine que atinge uma consciência revolucionária. Educa-se através da sua própria experiência, através dos grandes acontecimentos. A revolução é um longo processo de aprendizagem para a classe operária. Quando ela começa a mexer, fá-lo normalmente com ilusões reformistas, na procura do caminho mais simples, rápido e indolor para resolver os seus problemas. Ultrapassa essas ilusões na dura escola da luta de classes. Nós lutamos com ela até pelas reformas mais modestas e imediatas, mas explicamos que a resistência da burguesia será feroz, que essa resistência só será vencida através da mobilização de massas, e que mesmo se as nossas reivindicações forem satisfeitas, a burguesia tentará miná-las e sabotá-las. Retirará com uma mão o que nos dá com a outra. Só a revolução socialista dará um caráter duradouro às nossas conquistas.
Através da experiência, pondo à prova os diferentes programas, a classe trabalhadora dar-se-á conta de que as suas reivindicações mais básicas entram em contradição com o sistema no seu conjunto, que deve ser derrubado. A revolução socialista não cairá do céu, mas será a culminação de duros combates de classe, num processo que não será linear, mas que passará por altos e baixos. Os comunistas devem monitorizar esse processo, analisando-o detalhadamente. Aqui jaz a importância das nossas perspetivas, que são a nossa bússola na luta de classes, orientando-nos e indicando-nos onde nos encontramos. Não são uma bola de cristal nem um texto sagrado, são hipóteses de trabalho a ser atualizadas regularmente.
A missão de uma organização comunista é facilitar o processo de aprendizagem da classe trabalhadora, acompanhando-a na sua luta, lançando luz sobre os seus problemas e tribulações, incutindo-lhe a consciência dos seus interesses e da sua força e a desconfiança no inimigo de classe, ajudando-a a tirar conclusões dos acontecimentos, elevando a sua compreensão. A nossa tarefa é dar um caráter mais geral às reivindicações concretas dos trabalhadores, integrando-as num quadro amplo de opressão capitalista. Tomamos e desenvolvemos o âmago progressista das suas reivindicações e anseios, separando-as da sua casca de confusões e ilusões. Conclui-se disto que somos irreconciliavelmente hostis ao sectarismo, ou seja, à tendência de apresentar ultimatos ao movimento vivo da classe trabalhadora, a exigir à classe que satisfaça os nossos esquemas e fórmulas preestabelecidas para dar-lhe o nosso beneplácito. Isso isolar-nos-ia fatalmente do processo da luta de classes. O nosso método é, de facto, o contrário: desenvolvemos a nossa política em sintonia com o movimento vivo.
Nós, comunistas revolucionários, lutamos ombro com ombro com a nossa classe, acompanhando-a no seu percurso, auscultando-a, aprendendo dela, olhando para o mundo através dos seus olhos, mergulhando nas suas lutas, indo onde ela está, participando se for preciso dos seus movimentos e organizações de massas, mas defendendo sempre o nosso ponto de vista, sem esconder os nossos princípios e as nossas aspirações revolucionárias. Só desse jeito poderá uma pequena organização comunista desenvolver-se e enraizar no proletariado.
As nossas tradições
Dir-se-ia que a Internacional Comunista Revolucionária e a sua secção portuguesa são muito jovens. Ao fim e ao cabo, só foram fundadas em 2024. Contudo, são ao mesmo tempo organizações muito antigas. As suas raízes remontam a Marx e Engels e a dois séculos de história do movimento operário. É uma rica herança não só teórica, mas também prática, de organização e luta.
A nossa forma de organização surgiu da experiência histórica da classe operária. Essa forma é o centralismo democrático, desenvolvida principalmente pelo Partido Bolchevique de Lenine. O centralismo democrático significa a máxima liberdade no processo de discussão e de tomada de decisões, e a máxima disciplina na aplicação das decisões da maioria. Portanto, o órgão superior da nossa organização é o seu congresso, onde as suas posições são debatidas e votadas pela militância. Ora, o congresso não pode estar em sessão permanente. Geralmente, convoca-se anualmente, com a possibilidade de realizar congressos extraordinários de permeio. Por conseguinte, faz-se necessário eleger órgãos de direção para aplicar a linha dos congressos, nomeadamente o comité central e o comité executivo. Mas o papel destes órgãos não é simplesmente executar resoluções, mas dirigir e inspirar politicamente. Os camaradas mais experientes e dedicados, com a maior autoridade política, devem integrar estes comités. Mas a autoridade não é um carimbo burocrático ou um prémio de antiguidade. Ganha-se e renova-se diariamente. A militância deve fiscalizar a direção e, quando for necessário, corrigir os seus erros ou revogá-la. Só poderá cumprir esse papel se estiver bem formada e se tiver um olhar crítico. A constante elevação do nível político e teórico de todos os membros é a melhor garantia de uma organização democrática e saudável.
Esta é a forma de organização histórica do movimento comunista. É uma fórmula que combina a máxima democracia e a máxima eficácia, e é, de facto, muito mais democrática do que o horizontalismo anarquista, onde a assembleia, no seu almejo de abranger tudo o tempo todo, no final nada decide, e o verdadeiro poder passa as mãos de uma camarilha de ativistas não eleitos.
A organização não é uma abstração. É uma coletividade real de pessoas, que precisam de espaços físicos para reunir, de uma imprensa, de materiais de propaganda, de visitar os camaradas de outras cidades e de funcionários que dediquem todo o seu tempo à causa. Tudo isso requer recursos, também monetários. Alguns partidos procuram esses recursos no Estado burguês ou em patronos ricos. Nós recusamos esses cálices envenenados, que atrelam o movimento aos seus financiadores. O recente escândalo dos despedimentos de trabalhadoras grávidas do Bloco de Esquerda, totalmente dependente das verbas do Estado, demonstra isso. Para garantir a nossa independência política, a organização deve sustentar-se principalmente pelas quotas mensais dos seus militantes. A quota tem uma dupla importância, fornecendo os recursos necessários à organização, mas representando também o compromisso simbólico dos camaradas. Uma organização forte tem finanças fortes.
Organizamo-nos assim não só em Portugal, mas internacionalmente. Não somos, de facto, um grupo português, mas a secção da Internacional Comunista Revolucionária neste país. A nossa Internacional não é uma “federação” laxa de partidos nacionais ou uma “plataforma”. É um partido mundial, com os seus congressos, a sua direção e os seus documentos. O internacionalismo não é uma questão folclórica, mas uma parte íntegra de uma política genuinamente comunista. O capitalismo é um sistema mundial, e as colossais forças produtivas que o proletariado terá de conquistar abrangem o mundo todo. A revolução deve ser, portanto, internacional. Isso não quer dizer que ela tenha de acontecer em todo o mundo ao mesmo tempo. Quer dizer que as revoluções de cada país não serão acontecimentos isolados, mas elos de um mesmo processo mundial. Se as revoluções não se espalharem, elas morrerão, como demonstra toda a experiência do século XX.
Os grandes revolucionários foram cientes do caráter internacional do socialismo. Foi por isso que Marx e Engels impulsionaram a Primeira Internacional nos anos 1860-1870. Foi por isso que ainda nos tempos de Engels, em 1889, fundou-se a Segunda Internacional, que organizou poderosos partidos e sindicatos. Foi por isso que Lenine e Trotsky criaram a Terceira Internacional, a Internacional Comunista, em 1919, e lutaram por alastrar a Revolução russa para o resto do mundo. Foi por isso que Trotsky lutou contra a degeneração burocrática e nacionalista da URSS e da Internacional Comunista, criando a Quarta Internacional. Foi por isso que, depois da Segunda Guerra Mundial, Ted Grant e os seus camaradas defenderam o marxismo das distorções sectárias e oportunistas não só na Inglaterra, mas em todo o mundo. É por isso que nós hoje criamos a Internacional Comunista Revolucionária, uma organização nova, mas, ao mesmo tempo, muito antiga, que pega num longo fio vermelho.
E em Portugal? Quais são as nossas tradições aqui? O Coletivo Comunista Revolucionário é um movimento novo. O seu predecessor, o Coletivo Marxista, apenas foi criado em Lisboa na véspera da pandemia por um punhado de camaradas vindos do estrangeiro. A tradição do marxismo é relativamente pobre em Portugal.
Em 1921, na sequência do entusiasmo gerado a nível mundial pela revolução russa é fundado o Partido Comunista Português. Os seus membros vinham do sindicalismo e do anarco-sindicalismo e não tinham uma experiência prévia da II Internacional e do movimento operário internacional. Imperava a confusão teórica e a luta muito agressiva entre os grupos de António Caetano de Sousa e o de Carlos Rates. O seu primeiro Congresso em 1923 teve a presença de um dirigente da III Internacional com a missão de “pôr ordem” na organização. É eleita a direção de Carlos Rates. Já em 1924 o PCP propunha alianças com o Partido Republicano da Esquerda Democrática, um partido burguês chegando a concorrer nas eleições de 1925 em listas conjuntas com este Partido.
Entretanto a III Internacional sofria as consequências da ascensão do Estalinismo na URSS, todos os seus partidos viram-se obrigados a alinhar-se com a nova teoria do “socialismo num só país” e a seguir, sem desvios com as políticas ditadas pelo Kremlin. Entre a repressão do golpe militar em Portugal de 1926 e a política de “bolchevização” estalinista imposta pela III Internacional, o PCP sem quadros oriundos de uma verdadeira tradição marxista acabou transformando-se numa agência do Kremlin dentro do proletariado português.
Mais do que na resistência ao fascismo, em que muitos militantes deram provas de uma enorme coragem, a natureza do PCP ficou claríssima durante a Revolução de 1974, período em que, principalmente no início daquela, foi um dos principais obstáculos ao seu triunfo. A partir do colapso da União Soviética e da quebra desse vínculo com a burocracia estalinista do Kremlin o PCP foi-se transformando num partido reformista nacionalista.
A partir do cisma sino-soviético formaram-se em Portugal organizações que se reclamavam do maoísmo, tendo algumas delas bastante relevância durante a revolução de 74. Mas, as suas conceções etapistas (estalinismo) da revolução, bem assim como o sectarismo, na linha do 3º período da III Internacional impediam qualquer possibilidade de se tornarem no partido revolucionário que a revolução necessitava. Nos anos 70 surgiram também outras organizações, umas influenciadas por um luxemburguismo que nunca entendeu Rosa Luxemburgo, outras pela Revolução Cubana e a teoria equivocada do foquismo, outras ainda, reclamando-se da IV Internacional que, entretanto, como já fizemos referência atrás, se tinha dividido e subdividido e caído vítima de todas as teorias antimarxistas e modas passageiras da “esquerda académica” de 68.
Como se pode observar, nunca existiu em Portugal uma verdadeira organização ou partido comunista digno desse nome, partido revolucionário que tivesse no seu programa a vitória da revolução socialista. Isto não impediu que o proletariado português lutasse, como lutou antes, durante e depois do fascismo, corajosamente pelos seus interesses e, no período do fascismo, contra a ditadura. Nesta luta forjaram-se e destacaram-se muitos militantes do PCP e também de organizações à sua “direita” e à sua “esquerda”. Várias gerações lançaram-se à luta e fizeram os maiores sacrifícios por um mundo melhor. Acontece que, na ausência de uma verdadeira direção revolucionária e de massas essas lutas, mesmo quando vitoriosas, não puderam ser levadas à sua conclusão lógica e necessária.
Foi tudo em vão? Não! A luta, o sofrimento, a coragem e a esperança das gerações passadas continuam vivos na nova geração que surge e olha o mundo em seu redor com o mesmo interesse e esperança que as gerações passadas. Hoje, pela primeira vez existe, um ainda pequeno, grupo que pretende construir o instrumento necessário para que essa esperança se realize, para que as lutas do passado não tenham sido em vão. Temos consciência da nossa pequenez face à dimensão da tarefa, mas, sabemos que somos detentores do programa necessário e da experiência dos quatro primeiros congressos da III Internacional, bem assim como do Manifesto fundador da IV Internacional e ainda de toda a experiência acumulada por Ted Grant e os seus companheiros. É com esta consciência que apelamos aos jovens e aos trabalhadores, que querem acabar com esta sociedade de miséria e guerra, inclusivamente àqueles que militam no PCP e no Bloco, que se juntem a nós.
Ainda somos uma organização pequena. Não temos muitos recursos nem o aparato dos grandes partidos. Mas por definição os revolucionários sempre serão uma minoria no início. Ser revolucionário significa mesmo isso: compreender as necessidades da época antes do que o resto. Uma pequena organização revolucionária, porém, pode desenvolver-se rapidamente se as condições forem adequadas e se tiver uma linha política correta. Estamos a entrar num período histórico convulso, onde teremos muitas oportunidades. Seremos postos à prova a nível individual e coletivo.
A nossa organização exige e exigirá muito dos seus militantes. Em troca, dar-lhes-á a satisfação de entrarem no coração da nossa época. De não serem observadores passivos, mas agentes ativos da história. De investirem a sua pequena energia vital na mais bela das causas. Dar-lhes-á uma grande ideia pela que bater-se. E nada é tão poderoso como uma ideia cujo tempo chegou.