Durão Barroso é um dos mais destacados representantes da burguesia portuguesa. Após ter militado na extrema esquerda durante a sua juventude, tornou-se num defensor do sistema capitalista com a veemência de um renegado. Na semana passada, deu uma entrevista na qual expôs os medos dos capitalistas na atual conjuntura. A burguesia precisa de aplicar uma política de austeridade para lidar com a crise, mas teme provocar explosões na luta de classes.
5% do PIB na defesa?
O imperialismo europeu encontra-se num beco sem saída. Por um lado, a sua insensata política na Ucrânia levá-los-á a uma derrota sem precedentes, donde a Rússia sairá fortalecida. Ao mesmo tempo, o desejo dos EUA de reduzir a sua presença na Europa para focar noutras regiões mais estratégicas do mundo privá-los-á do importante guarda-chuva militar norte-americano. O apoio de Washington inflou artificialmente o poderio dos imperialistas europeus, permitindo-lhes embarcar em diferentes aventuras bélicas (Líbia, Sahel, Kosovo, etc.). Ainda pior: acelera-se o declínio histórico do capitalismo europeu, fragmentado em pequenas economias nacionais, cada uma com a sua própria burguesia provinciana e mesquinha, incapazes de concorrer com os grandes monopólios norte-americanos e chineses.
Aferrando-se à quimera de que a Europa pode reafirmar-se como força imperialista independente, os países europeus lançaram-se numa orgia militarista. Justificam estes planos reacionários e ilusórios agitando ridiculamente o espantalho da Rússia (que nem Kharkiv conseguiu ocupar após três anos de guerra, mas cujos tanques iriam agora chegar até ao Cabo da Rocha). Almejam-se espetaculares aumentos na despesa militar, com o secretário-geral da NATO, Mark Rute, colocando o objetivo do 5% do PIB. E não só isso: como diz Durão Barroso na sua entrevista, trata-se aqui também de “aumentar a produtividade” através de “reformas estruturais”, ou seja, de aumentar a exploração dos trabalhadores europeus para recuperar dinamismo no mercado mundial.
Em Portugal, neste ano, o gasto em defesa foi “só” de 1,59% do PIB. Trata-se, portanto, de um aumento estratosférico, e que supostamente seria atingido, nas palavras de Luís Montenegro “sem pôr em causa a capacidade do Estado Social e a estabilidade das contas públicas”. Quando um dirigente burguês faz este tipo de promessas, devemos assumir exatamente o contrário do que ele diz… e deitar a mão para a carteira. Quando se trata de cortar o gasto social, os liberais como Montenegro gostam de dizer que “não há almoços grátis”: lembramos-lhe também que não há tanques grátis.
Sejamos claros: os planos militaristas da burguesia, além de ter objetivos totalmente reacionários e quiméricos, só poderiam aplicar-se trucidando o gasto social. O Estado português, como os seus vizinhos, está afogado na dívida e cada vez tem mais dificuldades para financiar-se nos mercados, enquanto a inflação permanente barra o caminho da expansão monetária que usaram na década passada. Uma tal reviravolta orçamental só seria possível sacrificando o SNS, o ensino público e o Estado social no seu conjunto, aumentando os impostos ao cidadão comum e, em geral, dando um aperto à classe trabalhadora. Os setores mais sensatos da burguesia portuguesa percebem que isto é politicamente inexequível. Durão Barroso deu-lhes agora voz, admitindo que o 5% “não é muito [sic] realista” e colocando o objetivo mais “realista” de um 3,5% do PIB na defesa, objetivo este que, diz-se-nos, não “sacrificaria outras despesas que são muito importantes para os portugueses, na saúde pública, na educação, e que não podem ser sujeitas agora a cortes, pelo menos, a reduções tão súbitas”. Trata-se aqui de evitar uma política súbita de ataques, adotando uma estratégia mais gradual, de aos poucos ir tirando recursos do Estado social e implementando pequenas contrarreformas. Durão Barroso teme que uma política frontal de ataques possa conduzir a uma explosão social. Mas não há fórmulas mágicas para a burguesia. A profundeza da crise obriga-lhe a atacar, de forma “súbita”. E a classe trabalhadora terá de reagir.
Explosões sociais
Durão Barroso afirma estar “um pouco preocupado com o aumento dos populismos”. Com efeito, a crise do capitalismo está a rebentar os equilíbrios políticos que alicerçaram as democracias burguesas na Europa desde 1945.
Há uma enorme raiva na sociedade que ainda não encontrou uma expressão política clara. Na década passada, quando Barroso era presidente da Comissão Europeia, esse descontentamento expressava-se principalmente à esquerda, com o ascenso de forças reformistas (Syriza, Podemos, a geringonça portuguesa, etc.). Com a passagem da esquerda pelo poder, quando ela acabou por gerir a crise do sistema e trair as suas promessas, abriu-se o caminho às forças de direita populista que agora dominam a política europeia. Durão Barroso, porém, está confiante em que estes demagogos de direita irão amadurecer, tranquilizando-nos com o facto que personagens como Le Pen “já moderaram o seu discurso”: ou seja, acabaram por acatar o programa da burguesia. No processo, desmascarar-se-ão aos olhos dos seus votantes, que acreditaram ver neles alternativas radicais ao status quo.
Existe um enorme obstáculo à aplicação do programa reacionário e militarista da burguesia: o poderoso proletariado europeu, muito apegado às suas conquistas sociais e democráticas, das que não largará sem dar batalha. O que está a preparar-se aqui não é a “ofensiva do fascismo”, como afirmam as direções do PCP e do Bloco de Esquerda, mas, pelo contrário, uma grande vaga de luta de classes e de radicalização. São precisamente as mudanças “súbitas” nas condições de vida o que abala a consciência das massas e as empurra à ação. Ironicamente, há mais clareza nos augúrios de burgueses como Durão Barroso, cientes da tormenta que se prepara, do que nas perspetivas pessimistas de Paulo Raimundo ou de Mariana Mortágua. Esse é o âmago do problema. À classe trabalhadora lhe falta uma direção à altura, que saiba explicar a raiz dos problemas e ofereça uma alternativa revolucionária. Cabe-nos construí-la.