A imigração e a luta da classe trabalhadora

Portugal passou de um país maioritariamente de emigrantes para um país que acolhe cada vez mais imigrantes, sendo já um milhão os que residem legalmente. Com o crescimento da imigração tem-se visto, também, um crescimento de eventos racistas, como também de um discurso abertamente anti-imigração por parte de partidos com representação parlamentar, sendo tema recorrente nos debates para as legislativas.

O crescimento destes movimentos anti-imigração não são uma coincidência nem muito menos uma “reação” ao número crescente de imigrantes, como por vezes os meios de comunicação nos querem dar a entender.

Nos últimos anos temos assistido a um número crescente de manifestações da classe trabalhadora por melhores condições laborais e de vida, como já não se via desde a crise de 2008 a 2015. Se é verdade que a geringonça, nos seus primeiros mandatos, trouxe melhorias relativas à classe trabalhadora, também é verdade que as restrições resultantes da pandemia e um contexto geopolítico extremamente adverso ao crescimento económico, e, em definitivo, o aprofundamento da crise capitalista, trouxeram ao de cima as limitações que o reformismo tem e que as lideranças de esquerda (leia-se à esquerda do PS) não tiveram coragem de expor, servindo de muleta durante anos.

Temos visto manifestações e protestos organizados pelos profissionais da saúde, pelos docentes e funcionários não docentes na educação; os movimentos sociais e sindicatos têm estado juntos na rua pelo direito à habitação e pelo direito às cidades. Protestos contra a precariedade e o aumento do custo de vida, mas também pela adoção de medidas urgentes para combater as alterações climáticas.

Para quem pensava que a classe trabalhadora estava acomodada, a realidade tem mostrado que não apenas está atenta, como também se está a unir em lutas económicas concretas. E esta mobilização tem servido para a classe trabalhadora se aperceber da sua própria força e fomentar a consciência de classe nos trabalhadores.

O PCP e o BE poderiam aproveitar este descontentamento generalizado e capitalizar num reforço político da esquerda, mas as políticas erradas e de apoio ao reformismo vão se revelando ineficazes e desligadas das necessidades e aspirações da classe trabalhadora. Enquanto o PCP e o BE continuarem a adotar uma postura tímida e comprometida com políticas reformistas, correm o risco de perder o apoio da classe trabalhadora, que procura uma mudança mais radical e transformadora. A emergência de novos movimentos dentro do espectro político de esquerda é um reflexo claro da insatisfação crescente com a falta de uma alternativa verdadeiramente progressista.

A burguesia, contudo, também está a observar, com preocupação, o aumento do nível de contestação social e reconhece que não tem forma, através de políticas reformistas, de contrariar esta mobilização. A solução, antiga, passa por dividir para reinar e lançam-se os “imigrantes maus” contra a população nacional.

Para o problema da habitação são logo apontados os imigrantes (os imigrantes pobres, claro, porque quem possui vistos gold são “investidores”, logo “imigrantes bons”) que, num país com falta de habitação, pressionam o aumento dos preços das casas e no mercado do arrendamento. O que os meios de comunicação pouco falam é sobre o número crescente de imigrantes que vivem em condição de sem-abrigo, alguns em casas sobrelotadas e sem contratos deixando-os à mercê dos caprichos dos senhorios. Alguns destes imigrantes trabalham em plataformas digitais, como a Uber, e nem o suficiente para arrendar um quarto conseguem. 

Por outro lado, os imigrantes “investidores” (incluindo os fundos de investimento estrangeiros) que despejam pessoas e coletivos, às vezes mantendo fechados os espaços à espera de valorizações imobiliárias, nunca são alvo de escrutínio. Mais, para o proprietário do apartamento na Mouraria, pouco lhe importa se vive um casal de ingleses ou 30 pessoas de origem asiática, desde que receba sempre as rendas atempadamente e com os devidos aumentos anuais.

Para o problema da economia e da falta de emprego, logo são apontados os imigrantes, que “roubam” os trabalhos aos portugueses. O que é pouco noticiado é que estes imigrantes trabalham em condições deploráveis, alguns em situação ilegal e sujeitos a redes de tráfego. Aliás, o patronato nem quer saber da situação dos imigrantes, desde que as colheitas sejam feitas ou os atendimentos nos restaurantes sejam realizados. E muito menos se noticia o facto dos imigrantes receberem menos do que os portugueses. A hipocrisia no que diz respeito aos imigrantes vai até dirigentes do Chega que, quando chega o momento, contratam imigrantes para a suas colheitas.

Exército industrial de reserva

Recentemente tem sido noticiado o aumento da taxa de desemprego para 6.6%, num ritmo constante de crescimento consecutivo, e é interessante analisar como tem sido a taxa de desemprego e qual o seu papel na sociedade capitalista. É curioso como um sistema que apregoa a prosperidade para todos não consegue empregar todas as pessoas. Estamos praticamente no mesmo nível de 1981 e 2001 (6,8%) e ligeiramente melhores do que em 1991 (6,09%) e naqueles anos o efeito da imigração não se fazia sentir como agora.

Marx demonstrou que o capitalismo cria necessariamente uma massa de pessoas, conhecida como o exército industrial de reserva, que serve para manter os salários baixos dos trabalhadores. Esta reserva de mão-de-obra é fundamental para o funcionamento do sistema, uma vez que permite aos empregadores manter uma pressão constante sobre os salários, por um lado, e as condições de trabalho, por outro.

A análise do exército industrial de reserva é fundamental para compreender a dinâmica da imigração dentro do contexto do capitalismo. Este conceito, desenvolvido por Marx, refere-se à reserva de mão-de-obra disponível para o mercado de trabalho, que inclui desempregados, subempregados e trabalhadores precários.

A imigração desempenha um papel significativo na formação desse exército de reserva, contribuindo para manter os salários baixos e as condições de trabalho precárias, enquanto força os trabalhadores a aceitarem piores condições de trabalho e mais mal remunerados. Ao migrar para países com economias mais desenvolvidas, os imigrantes muitas vezes se encontram em situações de vulnerabilidade económica e, portanto, dispostos a aceitar empregos mal remunerados e condições de trabalho desfavoráveis.

Na prática vemos isso no setor agrícola, onde os imigrantes são frequentemente explorados em trabalhos precários e mal remunerados, muitas vezes sem contrato, logo sem acesso aos sistemas de proteção social, e com longas jornadas de trabalho. Na construção, os imigrantes também representam uma parcela significativa da mão-de-obra, onde as condições de trabalho e salariais são semelhantes ao que se passa no setor agrícola, mas também nos trabalhos domésticos e limpezas o cenário se repete. Na verdade, os imigrantes são já um setor fundamental da classe trabalhadora em Portugal, sem a qual a economia ruiria. É por isso que o seu isolamento político através do racismo se torna fundamental para a burguesia

Essa disponibilidade de mão-de-obra barata cria uma competição entre os trabalhadores, o que permite aos empregadores manter os salários em níveis baixos e as condições de trabalho deterioradas. Além disso, a imigração também é utilizada pela burguesia como uma ferramenta para dividir a classe trabalhadora e enfraquecer a sua capacidade de organização e luta. Ao criar uma falsa narrativa de conflito entre trabalhadores nacionais e imigrantes, a burguesia desvia a atenção das verdadeiras causas da exploração e da desigualdade social, desviando assim o foco da luta de classes.

Por outro lado, procurar restringir a imigração não irá reduzir o fluxo migratório, como o Reino Unido é exemplo disso. As políticas de restrição à imigração só contribuem para alimentar as redes de tráfico, colocando as pessoas ainda mais em perigo e em situação vulnerável.

Em síntese, a luta contra a opressão e a exploração não é exclusiva dos trabalhadores nacionais, mas sim de toda a classe trabalhadora. Assim como o capital não reconhece fronteiras, o trabalho também transcende os limites geográficos. E é somente quando a classe trabalhadora se mobiliza na sua totalidade, transcendendo as divisões artificiais impostas pela burguesia, que podemos iniciar a construção de uma sociedade onde a exploração e a opressão não têm lugar.

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