Comitês de Autodefesa nos Bairros! Organização de uma greve regional!
Artigo de David Rey
Os acontecimentos de Torre Pacheco são um sério alerta para a classe trabalhadora como um todo, tanto migrante como nativa. Aproveitando-se de um caso de agressão contra um idoso residente na cidade, alegadamente por um jovem magrebino, hordas de fascistas e reacionários lançaram um linchamento em massa contra a população local de origem imigrante. A resposta não pode ser lançar imprecações ou lamentações morais, mas a ação de massas de classe e de bairros: comitês de autodefesa e greves, a começar por estufas, armazéns, comércio e construção.
Os acontecimentos em Torre Pacheco são precedidos pelo anúncio dos líderes do Vox de que deportariam 8 milhões de migrantes e suas famílias se chegassem ao governo, e uma nova ofensiva racista dos meios de comunicação de direita e extrema-direita.
O que está a acontecer em Torre Pacheco faz lembrar os graves motins ocorridos há 25 anos em El Ejido, Almeria, em fevereiro de 2000. Também nessa altura, como agora, foi desencadeada uma semana de terror contra a população imigrante, depois de três assassínios terem sido cometidos por dois imigrantes, um deles com problemas de saúde mental. Centenas de trabalhadores imigrantes e vizinhos viram as suas casas e empresas arrasadas, dezenas foram espancados e feridos de várias formas e muitos tiveram de permanecer escondidos nos campos durante dias.
Assim que o ataque ao morador de Torre Pacheco se tornou conhecido, várias contas fascistas no Instagram, Twitter e Telegram, como “Deportem-nos – Agora Espanha”, lançaram mentiras, notícias falsas e vídeos, e proclamações racistas que incentivaram as pessoas a deslocarem-se para Torre Pacheco para “caçar” imigrantes.
Durante várias noites consecutivas, dezenas de homens encapuzados e vestidos de preto percorreram as ruas da Torre Pacheco ao anoitecer para espancar, insultar e quebrar carros, negócios e lojas de imigrantes. Na noite de domingo, 13 de julho, segundo o ministro do Interior, Grande-Marlaska, a Guarda Civil identificou mais de 20 veículos, incluindo carrinhas, que tentavam entrar no concelho com paus, tacos de basebol e bastões extensíveis, entre outros objetos.
A verdade é que durante os primeiros dias a polícia local e a Guarda Civil deixaram as hordas de lumpens e fascistas vaguearem livremente pela cidade, sem fazer uma única detenção. De facto, o primeiro detido foi um jovem com pai magrebino, já libertado, que participou num ato de repúdio à agressão do idoso, e que foi falsamente acusado por energúmenos locais de ser um dos agressores. Só agora há 10 presos, entre os quais 7 fascistas, mas quase todos já estão na rua e apenas 5 deles com acusações.
Neste vídeo abaixo pode-se ver como a Guarda Civil se retira do local no momento em que uma horda de 20 fascistas se aproxima do negócio de kebab, de propriedade de uma pessoa de origem imigrante.
A base de classe do racismo no campo
Não é possível obter uma imagem exata desses eventos fora de uma perspetiva de classe. 31% da população deste município é de origem estrangeira, principalmente magrebina, africanos subsarianos e europeus de Leste. E 60% dos empregos agrícolas (estufas e armazéns) são cobertos por eles, com 90% em trabalho sob plástico. Torre Pacheco, que passou de 15.000 para mais de 40.000 habitantes em 30 anos deve a sua riqueza e desenvolvimento ao trabalho imigrante, que foi o que deu riqueza à cidade e fez milionários de um bom punhado de ricos empresários agrícolas.
O trabalho no campo é o mais difícil que existe. Dada a relativa ausência de maquinaria, ao contrário do que acontece no sector industrial e mesmo na construção, o trabalho físico direto é a base do trabalho, especialmente em estufas. Não é como a indústria, onde o empregador pode aumentar o ritmo de trabalho, simplesmente acelerando a máquina ou a linha de produção. No campo, a única maneira de acelerar o ritmo é aumentando o esforço físico do trabalhador, razão pela qual os empresários agrícolas são os maiores déspotas e comerciantes de escravos. Por isso, é no campo que o ódio de classe vai mais longe. A mão de obra imigrante, e ainda mais se não for documentada, é ideal para espremer o esforço humano como um limão, para extrair cada gota de mais-valia. Esta análise de classe é essencial para entender porque a ideologia racista é essencial para o capitalismo, mas sobretudo para este setor do “empreendedorismo” em particular. O principal obstáculo que um empregador enfrenta é a organização de classe, o sindicato, as assembleias, as greves, a consciência de classe do trabalhador. É por isso que é essencial que o grande proletariado agrícola de origem imigrante esteja desorganizado e aterrorizado, e a propaganda racista ajuda nisso, agindo como um muro divisório com seus irmãos de classe nativa; devem sentir-se vigiados, desprezados, em permanente suspeita, viver num clima social hostil, sem direitos políticos ou sociais.
Violência e criminalidade têm como alvo os imigrantes
Todos os mitos difundidos contra os imigrantes visam perpetuar esta situação. A realidade é que a criminalidade foi reduzida, em termos relativos, no Estado espanhol. Em concreto, no último ano diminuiu 2,75%, segundo dados do Balanço Criminal do Ministério do Interior. E, em todo o caso, a criminalidade é uma consequência inevitável de um sistema fundado na divisão social, no lucro, na opressão e na violência. E é precisamente a população imigrante que sofre o peso desta criminalidade, opressão e violência.
Precisamente em Múrcia, nenhuma extremista de direita se preocupou com o caso dos empresários libertados depois de manterem uma rede de jovens prostitutas, incluindo Juan Castejón, antigo vice-presidente da associação patronal de Múrcia. Há alguns anos, houve o caso de um capataz ao serviço de empresários agrícolas em Torre Pacheco que abusou sexualmente de 20 trabalhadoras sazonais migrantes, incluindo a violação.
Os casos de assassínios e ataques a imigrantes por razões racistas são o pão de cada dia. Também na região de Múrcia tivemos os casos do assassínio em Mazarrón (Múrcia) de um trabalhador imigrante por um ex-soldado de extrema-direita. Dias depois, em Múrcia, uma mulher esfaqueou um imigrante equatoriano gritando “imigrantes tiram nossa comida“.
Há uma semana, uma mesquita foi incendiada na cidade de Piera, em Barcelona.
As condições de vida e de trabalho dos imigrantes são, na maioria dos casos, sombrias. Em alguns casos, os imigrantes “ilegais” são obrigados a trabalhar até morrerem, como aconteceu há um par de semanas em Fraga (Huesca). É também conhecido o caso de um empresário agrícola de Jaén, procurador do Vox nas eleições de 2019, que deixou o corpo de outro imigrante ilegal abandonado num centro de saúde depois de morrer na sua quinta.
É o caso de outro empresário agrícola de Jaén, suspeito de ter alegadamente assassinado e desaparecido vários trabalhadores migrantes ao longo de vários anos.
Já para não falar sobre as condições sub-humanas de habitat dos trabalhadores agrícolas sazonais em Huelva, cujos barracos são recorrentemente incendiados.
Em todas estas áreas, a extrema-direita e o Vox têm uma base de apoio em pequenos e médios empresários agrícolas que lucram com a exploração de trabalhadores imigrantes, legais ou “ilegais”. As mesmas pessoas que se queixam dos imigrantes são as que os empregam e exploram incessantemente. O seu objetivo é mantê-los intimidados para perpetuar esta situação.
Os capitalistas escravocratas e racistas, a base social do Vox e da extrema-direita nestas regiões, onde predomina a mão de obra imigrante com baixos salários e o emprego precário ou sazonal, não estão nem aí para a imigração legal ou “ilegal”, da qual dependem. Estão interessados numa força de trabalho submissa e num bode expiatório onde possam dirigir a agitação social causada pelo próprio capitalismo. Quanto mais predomina o racismo, mais se esconde a opressão de classe; quanto piores condições tiverem os imigrantes, mais divisão haverá na própria classe trabalhadora. Trabalhadores que laborasse com os mesmos direitos e condições poderiam exigir a mesma coisa de forma unitária e com mais força. É por isso que, precisamente, manter a atual situação é favorecer o nosso inimigo de classe.
Que neste ambiente de racismo social e institucional, haja episódios específicos de violência e criminalidade praticados por imigrantes, que são os únicos que se destacam no noticiário, quem pode ser surpreendido? Não é por acaso que um dos casos desencadeadores dos acontecimentos em El Ejido há 25 anos foi o assassinato de um patrão agrícola às mãos de um trabalhador imigrante na sua quinta.
“Apartheid” político e social
Em regiões inteiras de Múrcia, Almeria, Huelva, Granada, Lleida ou Huesca, a população imigrante atinge 20%, 30% do total ou mais, mas carecem de direitos políticos e sociais numa situação de verdadeiro “apartheid”. Fazem parte do tecido vivo da economia e da sociedade destas regiões e, por isso, como a classe trabalhadora autóctone exigia há 120 ou 150 anos, devem ter direito de voto, nacionalidade, serviços sociais e filiação sindical. A marginalização política desta massa de população imigrante, devido à negação da nacionalidade, é o que explica o apoio desproporcionado à direita e à extrema-direita nestas regiões. Trata-se, portanto, de uma maioria artificial. No caso de Torre Pacheco, PP e Vox obtiveram pouco mais de 10.000 votos nas últimas eleições gerais, obtendo 70% dos votos; isto é, ainda menos do que os imigrantes locais que são impedidos de votar e que, na sua esmagadora maioria, são trabalhadores.
Em tudo isto há uma responsabilidade nos sindicatos de classe, como a CCOO e a UGT. Deveria ser sua obrigação organizar esses trabalhadores, a começar pelos “legais”, como forma de combater a exploração implacável que sofrem e uni-los à classe operária nativa da localidade e da província, como a forma mais eficaz de combater o racismo que também se infiltra nos trabalhadores nativos.
O que fazer? Comitês de autodefesa e organização de greve na região
A primeira tarefa, como alguns setores de jovens de origem imigrante começaram espontaneamente a fazer, é organizar a defesa dos bairros operários afetados pelas incursões das hordas fascistas com a cumplicidade da polícia. Alguns neonazistas já receberam seus próprios remédios, como pedras e espancamentos, assim que jovens e vizinhos começaram-se a organizar. Trata-se de organizar assembleias de bairro para discutir a situação e formar comissões de autodefesa compostas por dezenas, centenas de vizinhos armados com paus, pedras e qualquer objeto que sirva de dissuasão, erguendo barricadas móveis nos pontos que são necessários ao cair da noite para bloquear a chegada das bestas fascistas. Medidas adicionais devem ser implementadas para proteger propriedades (lojas, bares, etc.) suscetíveis a ataques. Se isso fosse organizado de forma ousada, seria relativamente fácil varrer todo esse lixo e até mesmo a própria polícia e guarda civil seriam forçados a tomar medidas enérgicas para dispersá-lo por medo de uma reação maior dos bairros operários.
A segunda, seria organizar uma greve geral no município contra agressões e ameaças racistas, onde a classe trabalhadora imigrante toma a iniciativa, onde o seu papel é o mais indispensável: estufas, armazéns, comércio e construção, com um apelo à solidariedade do resto da classe trabalhadora autóctone do concelho. Além das reivindicações antirracistas, podemos acrescentar outras igualmente sentidas em matéria laboral (salários, jornada de trabalho, pausas e bônus de vários tipos). Uma vez tocados os bolsos dos exploradores, eles serão os mais interessados em que acalmar a águas e os seus cães-de-fila. Desta forma, erguer-se-á o sentimento de força, confiança e dignidade da classe trabalhadora imigrante, que estará numa posição sem paralelo para fazer avançar os seus direitos e impor respeito ao inimigo de classe e ao seu aparelho de Estado.
Isto também tem o seu precedente nos acontecimentos de El Ejido no ano 2000. Diante da violência incomum das hordas reacionárias na cidade, por iniciativa de ativistas de esquerda de origem imigrante, foi organizada uma greve por tempo indeterminado nas estufas, que começou em 8 de fevereiro daquele ano. A força da greve foi tal que, dois dias depois, a 10 de fevereiro, a câmara patronal local e a delegação governamental tiveram de reconhecer como interlocutores a assembleia de trabalhadores que organizava a greve e, por magia, os pogroms desapareceram imediatamente. É verdade que a maioria das promessas não foram cumpridas, em termos de reconstrução de casas destruídas, direitos laborais, etc. Mas isso deixou uma tradição e um legado, foi a única forma de travar os ataques racistas nessa altura e deixou lições para acontecimentos futuros, como o que agora tem Torre Pacheco como testemunha.
A solidariedade deve estender-se a todo o Estado, organizando atos de protesto com manifestações, comícios e outras atividades, para fortalecer a unidade de classe e combater o racismo e mostrar um punho forte e sólido a todos os fascistas e reacionários para lhes deixar bem claro que não passarão!
Diante do racismo, a unidade de classe!
Formar comissões de autodefesa e organizar a resposta dos trabalhadores com greves e mobilizações!
Coletivo Comunista Revolucionário Comunistas Revolucionários de Portugal